de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Segunda-feira, 18 Janeiro , 2010, 15:54



PORTUGAL NÃO A SOUBE OUVIR E SEGUIR

Se fosse viva, Maria de Lourdes Pintasilgo faria hoje 80 anos. Nasceu em Abrantes a 18 de Janeiro de 1930 e faleceu, em Lisboa, a 10 de Julho de 2004. Foi a única mulher portuguesa a ocupar o lugar de primeiro-ministro, no pós-25 de Abril. Militante católica, assumiu na vida a aposta numa nova ordem social. Fundou, em Portugal, o Movimento Graal e dirigiu diversas instituições de vocação social e política.
Esta evocação, sucinta, pretende apenas lembrar uma mulher superior, com larga projecção internacional. Em Portugal não havia espaço nem lugar onde pudesse dar largas aos seus projectos de mais cultura e mais justiça social, alicerçadas na Doutrina Social da Igreja. A própria Igreja, aliás, também não soube aproveitar, entre nós, a força do seu carácter, a ambição do mundo melhor que ela desejava, o testemunho de um catolicismo responsável e coerente. Portugal não a soube ouvir e seguir. No estrangeiro foi ouvida e respeitada.

FM


Editado por Fernando Martins | Quinta-feira, 14 Janeiro , 2010, 14:30


Fonte: Ecclesia
Documentário sobre  Lourdes Pintasilgo

A sensação que fica quando os créditos finais do documentário deslizam sob o nosso olhar tem algo de semelhante com a que eu tinha, ainda miúda, quando Maria de Lourdes Pintasilgo emergiu na cena política nacional: a de uma dimensão intangível. Adivinhava no documentário um ponto de partida para a conhecer mas não a pequenez desse ponto, não por desgraça da obra cinematográfica em si, antes pela grandeza sugerida na obra humana do seu objecto.

Testemunhada por personalidades de diferentes disciplinas, sensibilidades e quadrantes, o retrato de Maria de Lourdes Pintasilgo traça-se em sessenta minutos enquadrando os primeiros rabiscos numa família beirã de mãe doméstica e pai industrial de lanifícios, com registo de uma separação e uma figura talvez de substituição paternal marcante para a sua vida: um tio dedicado, de uma elevação artística e cultural invulgares.

Das primeiras engenheiras a formar-se, com curso superior, num mundo povoado de homens, Maria de Lourdes Pintasilgo começa a interessar a câmara da realizadora Graça Castanheira não cronológica, mas representativamente pela vida política em que se destaca: uma mulher de convicções que transpõem o laborioso e mesquinho mecanismo dos aparelhos partidários o que, do mesmo modo que convence uns, como o então presidente da república General Ramalho Eanes, da importância de aplicação dos seus princípios cristãos (“afinal os que todos advogamos”, diz) à vida pública e política, ou entusiasma outros pela elevação da sua mensagem de esperança, como o jornalista Adelino Gomes, provoca o temor de muitos: estes por falta de compreensão ou excesso dela.
Mulher desde cedo destacada à frente do seu tempo, Pintasilgo começa por revelar esse avanço como uma capacidade invulgar de adaptação, fazendo-a passar de “a geração seguinte salazarista” para o pelotão da frente no pós- 25 Abril, acontecimento que, segundo Eduardo Lourenço, a terá apanhado de surpresa. Demarca-se então pela posição apartidária e pelo compromisso visceral com a justiça e a igualdade.
É este rápido tomar de dianteira que a faz colar, pela voz dos mais e menos esclarecidos ora à ideia de uma mulher demasiado utópica para se ajustar à vida política, ora como uma mulher suspeitamente indefinida: para uma direita demasiado à esquerda; para a esquerda como alguém marcado na pele pela passagem activa por instituições ou movimentos coexistentes com o Estado Novo. Pelo meio, claro, os agitadores da opinião pública.
Afirma Adelino Gomes que, no fundo, o fracasso político desta mulher do Mundo ao concorrer a um projecto político para Portugal em muito se deveu à distância entre a elevação do seu papel em entidades como a Unesco e o apelo muito terreno das realidades mais profundas da existência pátria: para aquilo a que mais tarde se chamaria o Portugal profundo, era demasiado o projecto de Pintasilgo, o que acabaria por determinar a não identificação do povo com o que, tudo o comprovava, constituía o garante da melhoria da suas próprias condições de vida. Sugere outro testemunho no documentário que a Pátria a destratou, mas talvez a peça comprove, na sua totalidade, que esta Pátria que Maria de Lourdes Pintasilgo tanto amava e para a qual tanto desejava princípios de equidade, hoje impossíveis de ignorar, não estaria, tão somente, preparada para ela.
O seu afastamento político nem por todos é considerado menos-valia, visto ter de algum modo permitido um outro percurso bem mais profícuo e duradoiro, o cívico e social, com ONGs e associações firmemente criadas para a defesa de direitos fundamentais da pessoa humana.
A este, acresce um movimento de matriz cristã, sobretudo espiritual, o Graal, também ele decorrendo de um processo de ligação à Igreja nem sempre igual em que, sob um escrutínio conservador, Maria de Lourdes se viu, sem compreender onde entretanto traíra a mensagem de Deus Vivo, de líder abençoada a diabólica progressista.
Apresentado na Gulbekian com auditório a abarrotar, o documentário estreia já no próximo Sábado, dia 16, na RTP2.
Para além deste documentário, outras iniciativas promovidas pela Fundação Cuidar o Futuro assinalam os 80 anos de vida de Maria de Lourdes Pintasilgo.


Margarida Ataíde


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