de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Sábado, 23 Janeiro , 2010, 22:18
PELO QUINTAL ALÉM – 5


Ti Sarabando com Ti Mar'Joana

O PASTO

A
Ti Sarabando
e a sua Mar'Joana ( Maria Joana)

Caríssima/o:

Hesitei no título: erva... pasto...
Vendo bem as coisas, optei por “pasto”; “erva” nos dias que vão passando até nos dicionários se lhe junta outra conotação muito afastada daquela que nos levava junto dos animais para os alimentar...
Os tempos são outros e não apenas o sentido das palavras se alterou...

a. Pelo nosso quintal há muita erva mas não da que se criava com a sementeira e a adubação abundante para se cortar e levar para os currais das vacas, dos coelhos, dos porcos. Agora não se criam animais e a erva nasce sem ser semeada!

e. Também pelas muitas terras da nossa Gafanha que é da erva que se semeava depois da apanha do milho? Não se vê...
Naqueles tempos, as terras eram limpas de felgas e melhãs; logo “adubadas” com esterco dos currais. Depois deste espalhado, lançavam-se à terra as sementes de cevada, centeio ou aveia. A seguir, margeava-se o terreno.
Parte destas sementeiras destinavam-se a dar grão, mas a grande maioria serviria de alimento para o gado na invernia.
Era ver então como, foicinha na mão, ah!, corta que corta, se enchia a carroça ou ajeitava o molho que se levaria à cabeça ou aos ombros.

i. Quando a economia de subsistência era rainha, tudo se aproveitava. Destas plantas, os do nosso tempo se lembrarão, as folhas e os caules verdes iam alimentar o gado. Das searas, as paveias eram levadas para a eira, malhadas, ensacava-se o grão; a palha ia para os colchões, para a cama dos animais e, por vezes, para a manjedoura.

o. Directamente para a saúde, nada consta; convenhamos, porém, que muitos considerandos positivos se poderiam acrescentar sobre o equilíbrio fisiológico e emocional ...

u. E aqui se agiganta a figura do Ti Sarabando.



Para nós, uma lenda da nossa Terra; para muitos, um desconhecido.
Toda a vida se dedicou à lavoura das suas terras com a preciosa colaboração da Mar'Joana.
Homem forte, para o baixo, lá vinha com o seu molho de erva à cabeça e por acaso encontrava sempre a quem dar dois dedos de conversa. Bem, dois dedos...
“Parente e amigo, o homem achar-se-á enganado!...”
O sino toca a chamar para a Missa e os devotos e as devotas começam a passar rumo à Igreja.
“Parente e amigo... Quando Jonas...”
Como o monólogo vai longo, ao pressentir menos atenção da outra parte, dá-lhe uma sacudidela com a mão livre e prossegue:
“Parente e amigo, o homem achar-se-á enganado!...”
Às tentativas para pôr ponto final e partir para outra, surgia sempre com renovado ânimo:
“Parente e amigo...”
Vão passando as pessoas que regressam da Missa... Apesar do cansaço de quem o escutava, creio que ainda hoje o podíamos contemplar com o molho de erva à cabeça e com igual vivacidade e entusiasmo virar-se e, desfiando a sua Bíblia, sorrir profeticamente, levantar o dedo e falar como quem vive e acredita no que diz:
“Parente e amigo: o homem achar-se-á enganado!...”

Porque de gado e de erva se trata, respiguemos um soneto de raiz bíblica que renova um desafio de Camões:

Raquel

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

E terminemos voltados para os mais novos (se é que há algum perdido por aí...):

«Quem em novo não trabalha, em velho come palha.»

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 17 Janeiro , 2010, 00:28
PELO QUINTAL ALÉM – 4



O NABO


A*

Zé M.ª Parrachoche
Manuel Nunes Sarromão e Maria Augusta
João Encante
Plácido


Caríssima/o:

«O nabo e o peixe, debaixo da geada crescem.»
Vem a propósito, pelos gelos que temos sentido...

a. Este ano os nabos do nosso quintal são muito bichosos, muito feios e pouco se aproveita da cabeça; valha-nos a rama e... esperemos pelos grelos.

e. Ali pela Borda era uma fartura.
Nesta quadra do ano, não fora o nabo e a fome apertaria mais forte por meados do século passado, alturas daquilo a que os letrados chamam pomposamente de «grande guerra».
E não era só para nós, as crianças, que deambulávamos sempre perto do Esteiro. Crus e à dentada, a nossa dieta preferida; quando cozidos com a rama e o carapau de «três vinte e cinco», torcíamos o nariz... Também para o porco que estava no curral, os nabos substituíam a batata que escasseava.
Parece que os terrenos arenosos propiciavam boas colheitas...

i. O nabo é barato, saudável e fácil de preparar e de cultivar ( mesmo em solos pobres).
A cabeça tem as honras, mas talvez não se saiba que as folhas de nabo, que muitos cozinheiros não aproveitam, são mais nutritivas do que as raízes.
Muitas pessoas servem os nabos frescos ou cozidos, mas eles também podem ser assados, cozidos no vapor ou fritos. Pelo sabor doce e ao mesmo tempo picante, o nabo pode ser usado em saladas, cozidos, sopas e pratos de legumes.




o. Benefícios do nabo para a saúde: fonte de vitamina C, cálcio e potássio; pode proteger contra certos tipos de cancro.
É também uma boa fonte de fibras solúveis com poucas calorias e que ajudam a controlar os níveis de colesterol no sangue.
Há quem recomende o nabo, fresco ou na forma de suco, xarope ou emplastro ( aplicado no peito) para tratar bronquites e dores de garganta. Será que trata mesmo?
Mas não há bela sem senão e o nabo pode causar flatulência.

u. Nativo da Europa e Ásia Central, o nabo foi cultivado pela primeira vez no Médio Oriente há 4.000 anos.
Bem, como estamos sempre a aprender, talvez os dois recortes que seguem nos tragam alguma novidade.
Em Coimbra, «[o] dia do cortejo da Latada tem inicio logo pela madrugada, no Mercado D. Pedro V. Aqui, os Quartanistas vão "simpaticamente" roubar os nabos às vendedeiras do mercado. Tarefa que nunca é fácil, pois, tão audaciosa operação dos quartanistas que tentam roubar o nabo, obviamente, que leva a uma reacção das vendedeiras do mercado: vassouradas, baldes de água fria (supõe-se que seja água fria), e as vendedeiras a ralhar com quem tenta roubar o nabo.

De tarde, temos o cortejo.
Os padrinhos "enfeitam" os caloiros e começa o desfile desde a Alta Universitária até à Portagem. Durante o cortejo, os caloiros vão comendo os nabos roubados pela manhã no mercado, pois, dizem as lendas, o quartanista que chegue à portagem com o nabo por comer, jamais terminará o curso...»
E quem há aí que ainda se lembre daquela nossa tradição das abóboras?

Pois, agora é a festa do Hallowe'en ...
O certo é que, segundo dizem, «esta tradição vem de uma lenda em que um homem de nome Jack, no dia da sua morte, foi chamado pelo diabo visto ter sido mau toda a sua vida.
No entanto, o diabo sabia que ele lhe iria fazer a vida um “inferno” e decidiu livrar-se dele: Jack andaria pela Terra, de noite, com uma lanterna feita a partir de um nabo.
Assim o nabo ficou conhecido como a “lanterna de Jack”.
A tradição nos Estados Unidos mudou o nabo ... para abóbora.
As crianças, na noite de Hallowe’en, depois de fazerem uma careta à abóbora, metem uma vela lá dentro e põem-na à janela para assustar os vizinhos.»

Onde nos pode levar um nabo!...

Manuel

* E a todos Aqueles e Aquelas que como estes os nabos semearam nas terras da Borda.

Editado por Fernando Martins | Domingo, 10 Janeiro , 2010, 12:05
PELO QUINTAL ALÉM – 3




A COUVE

A
Senhora Mestra Joana Rosa
Ti Pluremes

Caríssima/o:

Com licença, hoje, apresento a couve.
Não preciso de dizer que há muitas variedades de couve... ou será que os nossos jovens já não distinguem a galega do repolho?
Não se dispensava na horta por mais pequena que fosse.



a. Ainda hoje é rainha no nosso Quintal.
E mal vai quando, como neste Natal, não arranjamos para a bacalhoada da Consoada: dias antes saraivada tremenda furou e destroçou as folhas de tal forma que tivemos que ir a outro quintal mais afortunado...

e. Terreno bem cavado e melhor adubado com o rico esterco do curral do reco, ela ia medrando e... Podia não haver muita coisa para um caldo, mas uma ou duas batatas, um olhinho de azeite quando o havia, e uma boa braçada de couves...
Parece que foi ontem...
A senhora mestra perguntou a doutrina a um catequizando e este houve-se tão bem que ela, como prémio, mandou-o a casa da ti Pluremes para lhe catar as couves... Aquilo era só bicharada: encheu uma caçarola com lagartas gordas.
E ninguém imagina a recompensa que recebeu por esta caçada: um prato de caldo cheio até às bordas! Foi uma merenda de truz!

i. Desta hortaliça tudo se aproveita, como sabeis...
Em tardes de fome e de penúria os talos sabiam que nem bolos da Comunhão!

o. No capítulo da”couve e a saúde” é uma fartura...
A couve é um vegetal muito rico em Cálcio, Fósforo e Ferro, minerais importantes à formação e manutenção de ossos e dentes e à integridade do sangue. Contém ainda vitamina A, indispensável à boa visão e à saúde da pele; e vitaminas do Complexo B, que tem por funções proteger a pele, evitar problemas do aparelho digestivo e do sistema nervoso.
Esta hortaliça é laxante pela sua grande quantidade em fibras; boa para a asma e bronquite. Além disso, a couve é muito boa para combater as enfermidades do fígado, como a icterícia e os cálculos biliares, assim como os cálculos renais, as hemorróidas, e as menstruações difíceis ou dolorosas.
E o suco? É um tónico excelente, muito recomendado às crianças em fase de desenvolvimento. E não digo mais senão parece que estamos na festa do S. Paio a ouvir as virtudes da banha da cobra: ele é o caldo da couve cozida que é indicado nas enfermidades da pele; a couve dissolve também os cálculos, combate a artrite e as dores reumáticas e as nevralgias, desinfecta o intestino, cura as úlceras gástricas e dá óptimo resultado no combate a vermes. Em caso de febre, aplica-se à cabeça do enfermo cataplasma refrescante de folha de couve, que serve, também, para tratar feridas inflamadas...



u. Até podemos afirmar que entrava nos banquetes e fazia boa figura.
O nosso mestre Padre Rezende, na sua Monografia, na página 159, escreve:
«Três pratos apenas [na festa do Baptizado], mas abundantes, sendo o primeiro a sopa de couve com batatas inteiras e negalhos ou molhinhos....»
E não ficou famoso o «carneiro com couves»?
Também entra em muitas estórias a figurona:

«Comecemos pela sopa da lenda, a sopa de pedra.
Conta-se que um frade, já cansado e com fome após uma longa jornada, bateu à porta de um solar e pediu à cozinheira que o deixasse entrar para fazer uma sopa. Que não se preocupasse, pois precisava apenas de um tacho, água, sal e um seixo do rio. Mas o nosso frade, sentado à lareira, assim que a água deu sinais de ferver principiou a pedir, um a um, vários ingredientes. Agora um bocadinho de feijão, depois um enchido, a seguir uma couve, etc.
O resultado foi uma suculenta e saborosa sopa que ficou como símbolo do engenho humano.
Ainda hoje faz parte da tradição ser servida com um seixo ou pedra pequena no fundo do prato.»

Já conhecias?
E esta?



«Era uma vez um coelhinho que foi à horta buscar couves para fazer um caldinho.
Quando o coelhinho branco voltou para casa, deu com a porta fechada. Muito admirado bateu à porta.
- Quem é? – perguntaram-lhe de dentro.
- Sou eu, o coelhinho branco, que foi à horta buscar couves para fazer um caldinho.
Responderam-lhe do outro lado da porta:
- E eu sou a cabra cabrez, que te salta em cima e te faz em três!»

E vamos que o caldinho já nos espera; com vossa licença já que não sois servidos...

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 03 Janeiro , 2010, 17:07
PELO QUINTAL ALÉM – 2




A PALMEIRA

A*

D. Joaninha
Zé da Branca e Adelaide
Rúben
Humberto Rocha

Caríssima/o:

Conheces a palmeira.

a. Pois bem, ela ali está altaneira e cheia de vida nos seus oitenta e cinco anos de vida no nosso Quintal: segundo a tradição familiar foi plantada no longínquo ano de 1925, Ano Santo, por meu Sogro, Domingos Costeira. Para ser mais exacto, plantou duas, mas o espaço era pouco para ambas e foi sacrificada a que estava mais próxima da casa e mais apertada.
Vê-se de longe e é uma referência.
Dizer-te que rolas, pardais, ratos e outra bicharada ali nidificam não será novidade; também o não será vermos uma hera subir por ela, ou apreciar uma alegria do lar que encontrou vaso em certa concavidade.

e. Nesta época do ano em que se festejam os Reis na nossa região não podíamos buscar outra planta. Quem está aí que não se recorde do Palácio do Rei Herodes na loja do ti Zé da Branca? Durante anos e anos ali estacionava o Cortejo, a Estrela sumia-se, os Reis Magos estancavam os cavalos e encontravam-se com o malvado do Rei Herodes. E o espertalhão do Cingo a lamber a rolha da garrafa de Porto!...
Pois é, à sua sombra, nos juntávamos em grandes confidências e em planos ousados e revolucionários que tinham o condão de unir moradores de cantos diferentes numa mesma Zona!
Mas ainda podemos acrescentar: ali montava o seu teatro de robertos o ti Armando Ferraz ou iniciava a ronda de Entrudo com o seu Rancho!
Certamente que ninguém se terá lembrado de propor que esta árvore seja considerada de interesse regional; estás a tempo de o fazer e como tal que passe a ser protegida, antes que lhe aconteça como às árvores do Tio Vicente. (Não é preciso ir tão longe; basta pensar no que ia acontecendo ali no Jardim Oudinot! Prevenir, pois, enquanto é tempo.)

i. Lembro-me de quando em vez “rasparmos” as tâmaras que nos diziam serem comestíveis!
Uma utilidade de palmeira que se preze é a oferta das suas palmas para a festa dos Ramos. Ora a cabeça desta está tão lá no cimo que me não lembro de tal serventia!
Também destas nunca vimos ou cheirámos o óleo de palma.

o. Aplicações para remédios também as não conheço, mas que a sua sombra terá curado muita doença, disso não duvidamos. Era a grande escola do riso onde a rapaziada se expandia e aprendia com os mais velhos a enfrentar os desafios que em breve a vida lhes colocaria no caminho...

u. A palmeira tem para todos nós um grande poder simbólico e ainda o de nos transportar para situações que nos confrontam connosco e com a nossa Fé (basta recordar a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém); nada melhor do que ouvirmos uma das muitas lendas que no-la recordam:



«(Lendas são narrações piedosas que se propagavam na Idade Média, e cuja veracidade não se baseia em documentos autênticos. Sem aprovar tais narrações, a Igreja não as rejeita de modo absoluto e deixa plena liberdade para serem aproveitadas como histórias edificantes.)

Entre as lendas relativas à fuga para o Egito, as mais conhecidas são a da Palmeira e a do Bom Ladrão.

A lenda da Palmeira

Um dia a Sagrada Família, fatigada pela longa viagem, parou à sombra de uma palmeira a fim de descansar um pouco. Apertada pela fome, e notando os cocos dourados que pendiam da palmeira, Maria sentiu que não estavam ao alcance da sua mão. Jesus viu o desejo de sua mãe e comoveu-se. Dirigindo-se à palmeira, disse: "Curva-te, bela palmeira, e alimenta minha terna mãe com tuas frutas". A estas palavras, a árvore reconheceu a voz do seu Criador e inclinou-se, e Maria colheu tantas frutas quantas desejava.
Após nova ordem do divino Menino a palmeira se ergueu de novo, e muito altaneira. Mas tão bela ação não podia ficar sem recompensa. Jesus continuou: "De agora em diante, quero que a palma seja o símbolo da vitória e brilhe eternamente nas mãos de todos aqueles que triunfarem sobre a terra, nos santos combates da virtude".
Em seguida veio um anjo, que cortou uma folha da generosa palmeira e a levou logo para o Céu.
Por um novo prodígio deste Menino divino, uma fonte brotou ao pé da palmeira, a fim de refrescar os viajantes.»

Renovando o desejo de Bom Ano, fica também o voto de um esplendoroso Dia de Reis.

Manuel

*Os quatro primeiros estão ligados à Palmeira do meu canto; o último ficará para a nossa memória como o principal responsável pela recuperação do Jardim Oudinot.

Editado por Fernando Martins | Sexta-feira, 01 Janeiro , 2010, 15:56
PELO QUINTAL ALÉM – 1





AO QUE VIMOS...
A*

Padre João Vieira Rezende
José Tavares Afonso e Cunha
Frei Silvino Teixeira
Maria Teresa Filipe Reigota
Maria Donzília de Jesus de Almeida
Oliveiros Alexandrino Ferreira Louro

Caríssima/o:

Se Deus quiser, e nos der vida e saúde, iremos percorrer o Quintal e partir daí para mais além até onde a memória o permitir. Falaremos quase só de plantas; e não sendo lavrador, biólogo, membro de associação ambientalista ou ligado a qualquer movimento da Terra, expresso já as minhas limitações e adianto que apenas pretendo reviver raízes, folhas, frutos e sementes do passado, na esperança de podermos rasgar leivas no futuro!

Para facilitar a arrumação usaremos tão só as cinco vogais. Explico...

a. Falo do meu Quintal: já lá vão quase cinquenta anos de trabalhos canseirosos para que ao menos não falte a água a quem dela necessita; de vez em quando um corte parcimonioso, não se queixe a pobrezinha... Enfim, de cada planta guardo uma recordação, um sabor, um cheiro, uma arranhadela...

e. Saltarei até ao quintal-jardim da memória: será da Gafanha que vivi e nos mostrará a insustentabilidade de certos esquemas ditos ecológicos e de interesse local e regional...

i. Que nos oferecem as plantas? Ou que tirávamos para sobrevivermos?

o. Como todos temos um pouco de médico e de louco, as plantas alimentam essa nossa dimensão e invadem os nossos corpos nos chás e mezinhas que as nossas avós preparavam...

u. Nesta vogal guardarei o que for encontrando em poesias, romances, lendas, ...

Um exemplo de partida:

a. O nosso Quintal ali está à tua espera; claro, é diferente do tempo da minha Sogra que só ela o sabia cuidar como aprendera de seu Pai, o saudoso Manuel Passarinha, e de sua Mãe Mariana. Não havia palmo de terra que não se aproveitasse para dar cereal ou vegetal que se pusesse na panela ou fosse engordar a criação...

e. Ter quintal era privilégio; mas desde criança as nossas brincadeiras e malandrices giravam pelo quintal e arredores. E foi lá que aprendi com meu Pai – cheiros, ervas e flores! Também figos, uvas, laranjas, pêras e limões! Com que desvelo conversava com as árvores!

Recordo aquela vez em que a tosse de cão apertou e ele fez um melaço com as folhas da figueira da Índia! A colher levava à nossa boca bálsamo para a tosse... e estalo para a gulodice.

Foi o primeiro mestre.

Logo o chiar do carro de bois... Os lavradores nas terras da Borda dão lições de trabalho e de afinco mas é o seu gesto de lançar a semente e de cortar as raízes ao nabo que se fixam...

Na Escola é o Tio Vicente que nos interroga e deixa no ar um amor impossível que, pela vida fora, muitos amargos de boca tem provocado: o amor a uma árvore? A um quintal? À Natureza?

i. o. Nestes salto que não há planta...

u. O Tio Vicente interrogou-nos e curiosamente as dúvidas que foi plantando se mostram mais e mais pertinentes. Assim o conhecemos pela pena de Júlio Dinis:




«O HERBANÁRIO

—Tio Vicente, um objecto muito grave me obrigou a procurá-lo a estas horas.
— Ah! — disse o velho, sentando-se, em tom de gracejo. Adivinho a gravidade do caso. O filhito do boieiro, o teu afilhado predilecto, tem algum princípio de sarampo ou de garrotilho, e vens...
— Não, não. Diga-me, tio Vicente, tem muito amor a esta casa e a este quintal?
O velho tornou-se imediatamente sério.
— Se lhe tenho amor?! Que pergunta!
—Tem?
— Nasci aqui, filha. — Custar-lhe-ia a...
— A quê?
E Madalena hesitava.
— Fala! — insistiu o velho, já inquieto.
— A separar-se dela?
O herbanário respondeu simplesmente:
— Ah! morreria!
Madalena fez um gesto de aflição.
Em Vicente crescia o desassossego.
— Mas... dize, Madalena: que significam essas palavras?
— E que...
— Explica-te! — exclamou o herbanário, quase imperiosamente.
— Ouça-me, tio Vicente; ouça-me, mas não se aflija. Eu vim de propósito para o prevenir. Mas, por amor de Deus, sossegue; se não, tira-me o ânimo de continuar.
— Que sossegue, e tu a atormentares-me com essas demoras!
— Perdoe... Fala-se em deitar abaixo estas árvores e esta casa, para...
O herbanário, de um ímpeto, pôs-se de pé. Figurou-se-lhe nos olhos um relâmpago terrível. Madalena calou-se, assustada.
— Deitar abaixo estas árvores e esta casa?! Quem?... Quem se atreve ? Pois que venham! Que venham!
Mas, reparando no terror que estava causando a Madalena, procurou reprimir-se e, com uma voz que ele se esforçava por tornar tranquila, continuou:
— Mas vejamos. Então querem, dizes tu... Fala, Lena, fala... Dize o que sabes. Quem é?... Para que fim? Pois quem pode lembrar-se de... Fala, bem vês que estou sossegado, filha.
— Há projecto de estrada...
— Ah! — disse Vicente, com um grito de raiva. — Não digas mais. Já sei — continuou com renascente exaltação. Já sei. Adivinho o resto. É teu pai que o determina; é teu pai que resolveu.
Madalena abaixou a cabeça com dolorosa expressão.
O furor do velho exaltou-se outra vez.
—Teu pai! Teu pai, Lena! Então esse homem jurou matar-me?
— Tio Vicente!
— Ele não sabe o que são para mim estas árvores e estas paredes ? Ele não sabe que a minha alma está nelas, presa a estas raízes, que com elas se despedaçará? Esse homem sem coração não vê que são estas as minhas afeições, as únicas ? a minha única família ? Ele, o companheiro dos meus primeiros anos! que, como eu, brincou à sombra dessas mesmas árvores e sob os olhares de meu pai, que também o abençoava, tão duro de coração se fez que, sem respeito por estas memórias todas, assim me quer separar do que me dá vida, do que ainda me prende ao mundo? E é teu pai esse homem, Lena!
— Por quem é, tio Vicente, ouça-me. Deixe-me dizer-lhe ao que vim, que talvez tudo se remedeie ainda.
— Sim, sim; tudo se remediará... com a minha morte. Talvez que ela seja útil a teu pai... Talvez precise dela.
— Oh! não creia, não creia!
— É duas vezes doloroso o golpe! Porque me separa do que amo deveras e por vir da mão de quem vem.»

In A Morgadinha dos Canaviais,
de JÚLIO DINIS, pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho.

Se estiveres interessado nesta conversa, fico à tua espera com o portão do Quintal bem aberto, para irmos mais além.

Aproveito para desejar aos bons Amigos um “excelente” ANO De 2010!

Manuel

* Já me esquecia de dizer que tentarei dedicar cada escrito, o que faço neste caso, lembrando alguns de nós que ousaram abrir campos nas folhas dos livros que nos legaram!


Editado por Fernando Martins | Sábado, 26 Dezembro , 2009, 23:17
BACALHAU EM DATAS - 53






RUMO AO FUTURO








Caríssimo/a:


1975 - «Em 1975, já não seria armado qualquer navio de pesca à linha. O NOVOS MARES o único “navio de linha”que regressara dos bancos no ano a Revolução – seria transformado para a pesca com redes de emalhar.» [Oc45, 90]

1977 - «Portugal foi dos primeiros estados europeus a aderir ao conceito de “zona económica exclusiva” que seria vertida no Direito internacional a 28 de Maio de 1977. Acérrimo defensor do princípio da “liberdade dos mares” durante vários séculos, Portugal subscrevia pela primeira vez um conceito “estratégico” de “Estado costeiro” de todo incompatível com os interesses da pesca longínqua.» [Oc45, 104]

1983 - «Em 31 de Maio de 1983 são aprovados os novos estatutos da Obra do Apostolado do Mar;


Em 6 de Julho de 1983 é nomeada pelo Bispo de Aveiro, a Direcção da Obra do Apostolado do Mar, com sede no clube "Stella Maris" de Aveiro, sito na Rua dos Bacalhoeiros, da paróquia da Gafanha da Nazaré.


No dia 18 de Setembro de 1983, dia da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, foi possível celebrar a bênção e lançamento da primeira pedra da nova casa do Stella Maris.


Em 1982, graças a um subsídio do Governo, foi possível iniciar o processo de construção do actual edifício do Stella Maris, para substituir o antigo pavilhão pré-fabricado.


Esta primeira fase, que importou em 13 mil contos, foi inaugurada no dia 10 de Novembro de 1985. Presidiu à cerimónia da bênção do novo edifício o Bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade.»[v. Galafanha]



1993 – A 17 de Novembro é constituída a Associação dos Industriais do Bacalhau, cuja sede se situa na Gafanha da Nazaré, e que procura «contribuir com eficácia para o desenvolvimento do sector em geral, e das empresas em particular, prestando informação concreta e actualizada sobre as diversas matérias inerentes à actividade, como sejam as de carácter económico, financeiro, social, ambiental, fiscal e aduaneiro.»

1999 – Fundação da Confraria Gastronómica do Bacalhau com o objectivo de activar e desenvolver mais a confecção de produtos relacionados com o bacalhau.

2005 - O Comércio do Porto, de 3 de Julho, noticiava uma “operação de charme norueguesa junto de industriais de bacalhau”. Aí se afirma que “a Noruega fornece cerca de 50 por cento do bacalhau consumido pelos portugueses, seguida pela Islândia e Rússia, 20 por cento cada, e Canadá com 10.”

Neste mesmo ano, a 21 de Dezembro, o Correio do Vouga informava que o Museu Marítimo de Ílhavo, sob a direcção de Álvaro Garrido, estava “a concretizar um projecto que visa recolher e arquivar a memória oral da pesca do bacalhau, de modo a [permitir] uma posterior investigação desse património imaterial”.

2008 - «Despedidos 219 pescadores Bacalhoeiros imobilizados: O armador de Aveiro e presidente da Associação dos Armadores da Pesca Longínqua, Silva Vieira, despediu 219 pescadores dos 700 trabalhadores da sua frota por dificuldades financeiras, e admitiu mais despedimentos noutras empresas do sector. Silva Vieira revelou que estudos efectuados por esta associação – cujos armadores associados empregam 2000 pescadores – mostraram que os proprietários dos navios de pesca longínqua “não têm viabilidade económica a curto e a longo prazo”, dada a escalada dos preços dos combustíveis. Este armador, que tem uma frota de 20 navios, acrescenta que os navios da pesca longínqua são dos mais penalizados porque “são os que mais consomem combustível”, mas toram abandonados e esquecidos” pelo Governo. Garantindo que o aumento dos combustíveis tornou “incomportável” a exploração das suas embarcações, responsáveis por 44,44% das quotas de bacalhau em Portugal, decidiu imobilizar, pelo menos até final do ano, quatro dos seus navios de pesca longínqua e dois da costa portuguesa.» [Global, de 13/06]

2009 - «SANTA MARIA MANUELA navegou até à Galiza» para proceder à fase final da sua recuperação, pois, em 2010, o navio iniciará actividades de turismo cultural e promoção económica. [Correio de Vouga, 7/01]

«Navios aveirenses rumam ao Atlântico Norte», atendendo ao aumento das quotas de pesca e à baixa dos combustíveis. [Correio de Vouga, 14/01]

«Nova Avenida dos Bacalhoeiros deve estar pronta ainda em 2009», nova via, ligando a A25, junto à Friopesca, ao terminal de granéis sólidos e líquidos do Porto de Aveiro, junto à Ponte da Barra. [Correio de Vouga, 14/01]

«Museu Marítimo [de Ílhavo] vai ter aquário de bacalhaus» e um Centro de Documentação e Investigação do Bacalhau. [Correio de Vouga, 14/01]

«Bacalhoeiros recuperados para o turismo», titula o Global, de 7 de Abril, focando as intervenções que estão a sofrer o SANTA MARIA MANUEL e o POLYNESIA, que voltará a chamar-se ARGUS.

«Bacalhau do Canadá regressa a Portugal


Portugal poderá trazer da costa canadiana 1070 toneladas de bacalhau no ano que vem. Com a reabertura do espaço NAFO, os armadores portugueses poderão vir a aumentar a quota total de pesca da espécie.


"Ao fim de 11 anos recuperámos as quotas de bacalhau da NAFO", anunciou, ontem, o ministro português das Pescas, em Bruxelas, no conselho dos 27 para decidir os totais de captura para 2010.


A NAFO é a sigla inglesa para Organização de Pescas do Atlântico Noroeste que inclui, entre outros países, o Canadá.


Os pescadores portugueses poderão trazer 1070 toneladas de bacalhau dessa zona que esteve fechada durante 11 anos para a recuperação das espécies (bacalhau e peixe-vermelho). É um montante a repartir pelos 13 navios nacionais da pesca longínqua, sendo que cada uma destas embarcações tem uma capacidade média para 900 toneladas de pescado nos porões.


A dúvida, segundo o ministro António Serrano, é se a quota da NAFO entra em vigor em Janeiro ou de forma progressiva após o acordo com a Noruega. "Estamos satisfeitos com o que já conseguimos para o bacalhau", explicou ontem o ministro António Serrano.


As quantidades colhidas ao largo do Canadá serão somadas às colhidas no mar da Noruega quando haja acordo para tal. A UE e a Noruega fracassaram um entendimento sobre as possibilidades de pesca para o ano que vem por divergências sobre a colheita da sarda. "Se houver acordo com a Noruega nós podemos ultrapassar as quatro mil toneladas" de quota de bacalhau, mas só em Janeiro se saberá, quando forem retomadas as negociações com Oslo.


Segundo Miguel Cunha, presidente da Associação de Armadores de Pescas Industriais, a decisão da retoma da pesca ao largo do Canadá "vem dar razão" à associação que diz que "que aquela zona estava em condições de receber um maior esforço de pesca" e que o "stock de bacalhau não estava em tão mau estado" como lhes teria sido informado...» [JN, 15/12/2009]

E forçoso é terminar com esta última notícia que deixa um rasto de profunda esperança!

Além de Esperança, muita Paz e Alegria com os votos amigos de uma saúde esfuziante para o 2010 que aí está!

Manuel

NOTA: Permitam-me que agradeça publicamente ao meu amigo, conterrâneo e familiar, a dedicação com que elaborou este trabalho, sobre a Saga dos Bacalhaus através dos tempo, fixando para a posteridade uma síntese, pescada aqui e ali, com a meticulosidade que lhe é característica. Obrigado, Manuel, que o mesmo é dizer, Manuel Olívio da Rocha. E como bom amigo e gafanhão de sempre, amante da sua e nossa terra, embora metido, há dédacas, na cidade invicta, vai continuar connosco com outros temas. Quem adivinha?
 
FM

Editado por Fernando Martins | Sábado, 19 Dezembro , 2009, 23:45
BACALHAU EM DATAS - 52




O FIM DA PESCA À LINHA

Caríssimo/a:

1974 - «Nos primeiros dias de Maio de 1974, tem lugar em Lisboa a última bênção dos navios e tripulações da frota bacalhoeira. Já se deu a revolução de Abril, a Organização Corporativa das Pescas começava a ser desmantelada, a explosão social chegava aos portos bacalhoeiros e a bordo dos próprios navios. A “bênção” de 1974 mantinha intactos os elementos cénicos e a evocação épica da “grande pesca”, mas estava longe da espectacularidade de outros tempos. Ao largo de Belém perfilavam-se uns poucos de navios embandeirados, pronos a largar para a Terra Nova. Cenário tão desolador e de tão nítido contraste com tempos idos que o “Jornal do Pescador” se coibiu de publicar as habituais fotografias. Nas palavras do bispo que presidiu à cerimónia, D. Maurílio Gouveia, o mundo marítimo passava naquele momento por profundas transformações que pareciam abalar as suas estruturas.» [Oc45, 91]

«Em 1974, o Gil Eanes amarrou ao cais em Lisboa. Depois de outra tentativa na área comercial foi definitivamente desactivado, aguardando a sua demolição. Foi salvo deste triste epílogo por uma comissão, os “Amigos de Gil Eanes”...» (v.1955) [HDGTM, 43]


«Nos anos 50, enquanto a frota portuguesa ainda se encontrava em crescimento em termos de capacidade, a produtividade por navio descia, por escassez efectiva de bacalhau, a valores bastante baixos. O sistema português atingiu rapidamente o colapso, como seria de esperar considerando a sua precária estrutura. Quando o regime caiu em Abril de 1974, o que restava da frota bacalhoeira “de navios de pesca à linha” não tardou a desaparecer. Registaram-se nesta época profundas mudanças na política de pescas do estado português – e também alterações nos regimes de soberania dos espaços marítimos, com a implementação do conceito de mar territorial. A definição do limite de 200 milhas como Zona Económica Exclusiva de cada país, determinou o fim do acesso aos melhores pesqueiros de bacalhau, uma vez que os bancos da Terra Nova e Groenlândia deixaram de ser do domínio público. A arte da pesca do bacalhau à linha, com veleiros carregados de dóris e de pescadores, entrou em irreversível processo de extinção. No entanto, a memória desta gesta continua viva, através da presença entre nós de um protagonista essencial desta história: o CREOULA, um dos últimos lugres bacalhoeiros do mundo.»[C. 13]

... « [A] queda do Estado Novo coincidia com o fim da pesca à linha com dóris, arte que a frota portuguesa foi a última a abandonar entre as grandes potências mediterrânicas da pesca do bacalhau. O sinal mais tangível do crepúsculo de um tipo de pesca que o Estado Novo teimara em manter por razões de ordem económica e social – no limite por critérios políticos – é o do número de “navios de linha” que vão aos bancos da Terra Nova na campanha de 1974.Da mítica “White Fleet”sobravam três navios com motor, todos eles de casco de madeira: o ILHAVENSE, o SÃO JORGE e o NOVOS MARES. Os dois primeiros naufragaram, ambos por incêndio a bordo: o ILHAVENSE em plena faina nos traiçoeiros “Virgin Rocks” dos baixios da Terra Nova e o SÃO JORGE quando regressava de St. John's a mando da recém-criada Secretaria de Estado das Pescas que considerara esgotadas as possibilidades de ceder às reivindicações salariais da tripulação do navio. Das três embarcações apenas regressou o NOVOS MARES com os porões praticamente vazios, a tripulação em greve e o costado coberto de inscrições onde se liam vivas à liberdade e às Forças Armadas. Além dos pescadores e tripulantes em greve, o NOVOS MARES trazia a bordo alguns homens que salvara do SÃO JORGE. Quando o navio chegou ao cais da Gafanha da Nazaré, junto a Aveiro, foi esperado com a emoção de sempre, mas decerto com ansiedade redobrada. Ansiosas as mulheres temiam pela vida dos seus homens e pela certeza dos salários, há meses ouviam notícias de naufrágios, de tumultos e insubordinações a bordo, da Revolução que chegara ao mar.» [Oc45,90]


«Quando o regime soçobrou em Abril de 1974, o que restava da frota bacalhoeira de “navios de linha” não tardou a desaparecer.» [Oc45, 91]

«A eminência de tragédia humana nos dois “navios de linha” que se afundaram sem que todavia houvesse vítimas, a greve a bordo do Novos Mares e a greve das tripulações de mais nove arrastões da frota bacalhoeira, incluindo alguns navios de rede de emalhar, exprimem uma espécie de epitáfio da “Campanha do bacalhau” a que não faltam elementos típicos de uma história trágico-marítima.» [Oc45, 92]

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 13 Dezembro , 2009, 13:18
BACALHAU EM DATAS - 51




O PRINCÍPIO DO FIM ...

Caríssimo/a:

1964 - «O máximo de arqueação líquida (capacidade) da frota bacalhoeira [é] de 67.026 toneladas em 1964, quase sete vezes mais que em 1934. Ora, se nesse período, o número de unidade em laboração pouco mais que duplicou, o que supõe um crescimento de capacidade média de pesca por navio.» [Oc45, 101]

1965 - «A quarta e última novidade só se detecta em 1965. É então que faz a sua primeira viagem inaugural o primeiro arrastão pela popa da frota portuguesa, o MARIA TEIXEIRA VILARINHO, armado pela empresa José Maria Vilarinho, L.da, de Aveiro. Construído nos Estaleiros Navais de Viana, foi também o primeiro navio da frota dotado de porão congelado.» [Oc45, 100]

1966 - «Até 1966, os diversos tipos de navios de pesca à linha perfazem a maioria das unidades da frota, embora nessa data a capacidade global de pesca dos arrastões bacalhoeiros já supere a dos veleiros com e sem motor.» [Oc45, 95]

1967 - «... a liberalização do comércio do bacalhau aconteceu em 1967...» (v. 1934)[BGEGN, 1991, 7]

«O princípio do fim da “Campanha do Bacalhau” ocorreu aquando da liberalização do comércio do bacalhau, em 22 de Julho de 1967 (Portaria n.º 22790). No essencial, este diploma, assinado pelo Secretário de Estado do Comércio, Fernando Alves Machado, abolia a “tabela do bacalhau” em vigor desde meados de trinta e permitia aos armazenistas a importação de remessas a título individual (abolição do sistema de quotas de rateio).» [Oc45, 104 n. 3]

1969
- «National Geographic Magazine, reportagem a bordo de um bacalhoeiro português.» [C., 20]

1970 - Aparece a Friopesca para apoio à actividade piscatória da Sociedade de Pesca Miradoiro, formada em 1965. Pioneira no lançamento da batata pré-frita e na preparação e congelação de legumes (ervilhas, favas, pimentos).

«No início dos anos setenta, uma nova modalidade se impôs – a de “redes de emalhar”. O sistema era semelhante ao anterior só que, agora, as possantes lanchas não largavam linhas com anzóis que era preciso iscar, mas sim redes incolores, de monofilamento, onde o peixe se enredava e não se libertava mais.» [Oc45, 54]

1971SET10 - Tragédia nos mares da Terra Novas – Incêndio no navio S. JACINTO: morreram oito tripulantes.

[Fazendo memória destes Tripulantes, do sofrimento de suas Famílias, sinto a angústia de todos os familiares da equipagem que contemplei espelhada no rosto cerrado e no coração apertado da Avó do Fernando, meu sobrinho!

Viver dias tão compridos é arrepanhar o Céu, fazer amizade com o Demónio, mas, logo a seguir gritar num desengano abismal: “T'arrenego, Satanás! E te esconjuro que vás prò mar acolhado!” E, num arrebatamento, à Senhora dos Navegantes, da Boa Viagem, da Nazaré e da Fátima eu Vos prometo,... nós Vos prometemos...]


«O RAINHA SANTA viria a ser transformado em navio de redes de emalhar após a campanha de 1971. A transformação dos sete navios-motor de pesca à linha em arrastões ocorreu entre 1961 e 1967.» [Oc45, 106 n. 26]

1973 - «Nas 37 campanhas ininterruptas que efectuou entre 1937 e 1973, ano em que foi o único veleiro de pesca a ir aos bancos, o CREOULA foi sempre referenciado como o navio de vela de pesca à linha mais bem equipado e mais confiável da frota portuguesa, dados os cuidados postos na sua construção e aprestamento. [C., 43] “Após a sua campanha de veleiro solitário em 1973 e verificando a inviabilidade da pesca nas condições de que o CREOULA dispunha, em 31 de Dezembro de 1973, o registo do navio foi alterado para tráfego local, sendo encarada a venda ou desmantelamento como solução final.»[C., 38]

«Em 1973 terminaria a pesca com navios que podiam navegar à vela; os lugres com motor CREOULA e LUÍSA RIBAU cumpriram então a sua última safra.»[Oc45, 91]

«Tal como noutros países, a frota de embarcações da “grande pesca” seguiu com enorme atraso as inovações da tecnologia usada nos navios de guerra. De notar que na Armada portuguesa a chamada “marinha de vela” praticamente desaparecera na década de noventa do século XIX. A frota bacalhoeira prolongou-a até ao terceiro quartel do século XX.» [Oc45, 99]

«Além dos efeitos da crise do petróleo de 1973 sobre as despesas de exploração dos navios, os armadores viram rurir todas as condições que o Estado lhes dera durante largos anos: garantia de recrutamento de pescadores para o ofício de pesca à linha, estabilidade dos salários, crédito abundante e barato, reserva de mercado e preços mínimos de venda do bacalhau aos armazenistas.» [Oc45, 90]

Manuel


Editado por Fernando Martins | Sábado, 05 Dezembro , 2009, 22:57
BACALHAU EM DATAS - 50




O RAINHA SANTA

Caríssimo/a:

1955 - ASSISTÊNCIA SANITÁRIA: «A sua [do primitivo Gil Eanes ] última campanha fez-se em 1954 [vd. 1942] , sendo substituído no ano seguinte por um novo e moderno navio construído em Viana do Castelo, herdeiro de toda a riqueza da sua tradição de apoio humanitário e até do seu nome de baptismo – GIL EANNES.» [vd. 1974] [HDGTM, 43]

1958 - «A campanha de 1958 foi aquela que contou com maior número de unidades – 77.» [Oc45, 93]

«A pesca com veleiros puros parara em 1958.» [Oc45, 91]

1960 - «Só nas campanhas de 1960 e de 1967 mais de metade dos navios bacalhoeiros de artes de anzol (veleiros puros, lugres com motor e navios-motor) já eram construídos em ferro.» [Oc45, 99]

1961 - «O último navio a ser armado para a pesca com dóris foi o RAINHA SANTA, navio-motor de madeira concluído em 1961 nos estaleiros de Benjamim Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, para a empresa Pascoal e Filhos, L.da..» [Oc45, 106 n. 26]

«De 1961 em diante os arrastões jamais deixarão de constituir mais de um terço do total de navios da frota bacalhoeira. Começou nesse ano a execução de um apressado programa de desmobilização e transformação de boa parte dos navios-motor de pesca à linha cujo rendimento se tornara insustentável, em parte porque a abundância de peixe nos bancos da Terra Nova começou a mostrar os seus limites.» [Oc45, 95]

1962 - «Em resultado da desmobilização de alguns navios-motor de pesca à linha, de 1962 em diante o potencial de pesca dos primeiros [arrastões] já ultrapassou o dos segundos [navios de pesca à linha]. O pulsar da produção nacional de bacalhau dependia cada vez mais das capturas do arrasto. [...] Em 1967 os arrastões compõem 50,7% do total de navios da frota, mas garantem 56,4% da capacidade de pesca disponível.» [Oc45, 101]

Manuel


Editado por Fernando Martins | Sábado, 28 Novembro , 2009, 23:12
BACALHAU EM DATAS - 49


Bissaya Barreto - 1943

88% DAS PROVISÕES ERAM
DE PRODUÇÃO NACIONAL

Caríssimo/a:

1950 - «Na década de 50, a frota continuará a ser renovada, agora suportada pelos Planos de Fomento das Pescas Nacionais.» [Oc45, 114]

«Em França, a congelação a bordo de arrastões bacalhoeiros foi aplicada pela primeira vez em 1950, no arrastão-congelador Jacques Coeur.» [Oc45, 106, n. 29]

«O último navio francês de pesca à linha demandara os bancos em 1950». [Oc45, 95]

24 de Janeiro - O navio BISSAYA BARRETO, construído nos Estaleiros Navais do Mondego, foi devorado por um violento incêndio, quando se encontrava fundeado no Douro.

1951 - Forma-se a empresa João Maria Vilarinho, com quatro barcos (NAVEGANTE I e II, ADÉLIA MARIA e CAPITÃO JOÃO VILARINHO)

«Nas campanhas de 1951 e 1952 a capacidade de pesca dos arrastões já se aproxima da dos navios de linha.» [Oc45, 101]

25 de Abril - A Lusitânia lançou à água um novo navio designado BISSAYA BARRETO.

1952 - 14 de Maio - Bota-abaixo do navio de pesca bacalhoeira CAPITÃO JOÃO VILARINHO.

24 de Setembro - Naufrágio do navio-motor JOÃO COSTA.

1953 - «Em 1953 a frota bacalhoeira portuguesa conta com 21 arrastões, menos um do que a frota espanhola que introduzira o arrasto ainda antes de começar a Guerra Civil.» [Oc45, 95]

1954 - «1954-58 Os 17 navios lançados ao mar neste quinquénio foram todos construídos em estaleiros nacionais e todos eles de pesca à linha, uma vez que os arrastões mobilizavam mais investimentos avultados em importações de aparelhagem e chaparia.» [Oc45, 93]

«...[O] advento dos primeiros arrastões pela popa dotados de instalações frigoríficas ocorre apenas cerca de uma década depois da experiência pioneira da série britânica dos Fairtrys, modernos navios-fábricas cujo modelo depressa se estendeu a outros países da Europa Ocidental e de Leste desde que o primeiro foi lançado ao mar em 1954.» [Oc45, 101]

«De notar que em 1934, ano em que o Estado Novo começou a reorganizar o vector do bacalhau criando um esquema de protecção de pesca nacional capaz de promover a substituição das importações, o grau de auto-aprovisionamento do mercado interno era de 16%. Em 1954 a “Campanha do Bacalhau” atingia o auge: 88% das provisões disponíveis eram de produção nacional. Cálculos nossos obtidos a partir de estatísticas do INE.» [Oc45, 104 n. 7]

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 15 Novembro , 2009, 00:27
BACALHAU EM DATAS - 47




ACTIVIDADE PLENA NOS ESTALEIROS

Caríssimo/a:

1946 - «Em 1946, estava reunida a maior frota portuguesa para a pesca do bacalhau. Era composta por 55 navios, incluindo seis arrastões, onde a maior parte estava equipada com TSF, motor e frigorífico. As carreiras da CUF, Mondego e Gafanha da Nazaré “encontravam-se em actividade plena”.» [Oc45, 113/114]

«Adquirida a especialidade de trabalhos com navios-motor, em 1946-1947, os Estaleiros Navais do Mondego, L.da fizeram trabalhos no casco do lugre-motor LUSITÂNIA, adaptando-o a navio-motor através da aplicação de castelos e superestruturas de ferro.» [Oc45, 116]

«Entre 1946 e 1948, os Estaleiros Navais do Mondego modernizam-se e ampliam as suas instalações, possuindo três carreiras com capacidade de construir barcos até 3000 t e 500 operários em laboração.» [Oc45, 116]

1948 - «Neste ano iniciou-se a construção, nos Estaleiros Navais do Mondego, em ferro, do novo COMANDANTE TENREIRO, para a “Lusitânia Companhia de Pesca”, em substituição do navio-motor do mesmo nome, que havia naufragado na sequência de uma colisão com um iceberg, investimento que rondou os 17.000.000$00. Os primeiros rebites desta nova unidade foram cravados em cerimónia festiva pelos Ministros da Marinha e da Economia, pelo patrono da nova unidade, Comandante Henrique Tenreiro e pelo Prof. Doutor Bissaya Barreto, em representação do Conselho de Administração dos estaleiros...» [Oc45, 116]

«...[T]erminava assim a construção de navios em madeira para a pesca do bacalhau na Murraceira. Agora as construções eram em aço Siemens Martin, como o COMANDANTE TENREIRO, com 71 m de comprimento, 2.200 t de deslocação e capacidade para 1.080 t de bacalhau. Era um navio moderno, equipado com radar, radiotelegrafia, telegrafia, sondas ultra-sonoras, guinchos americanos, aquecimento, frigoríficos e um motor B&W de 1.200 CV. Este arrastão foi a primeira grande construção em ferro dos Estaleiros Navais do Mondego e ao mesmo tempo a “última palavra” em termos de progresso nas construções navais do género. O bota-abaixo deste navio foi a 12 de Maio de 1949.» [Oc45,. 117]

São da Figueira 9 dos 54 navios da frota bacalhoeira.

Manuel


Editado por Fernando Martins | Sábado, 07 Novembro , 2009, 22:03
BACALHAU EM DATAS - 46
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Primeiro Navegante

O NAUFRÁGIO
DO PRIMEIRO NAVEGANTE

Caríssimo/a:

Já vimos algumas imagens trágicas deste naufrágio.
Contudo, Deus louvado, há sempre outra imagem da mesma realidade – agora até no futebol nos dão sempre o ângulo oposto. Ora, nem mais: vamos mudar a máquina de filmar e captemos outros cenários.
A Dra. Ana Maria Lopes, no seu blogue, mas a 2 de Agosto de 2008, sobre este mesmo tema, escrevia:

«Contava-me o meu Pai que, nesse ano, bacalhaus escalados, espalmados e salgados tal como são acamados no porão do navio, após a salga, deram à costa, a boiar, chegando a aparecer na própria ria.
Nesse ano, é que houve, pelos vistos, festival do bacalhau, a sério, sem encenações.»

Pois bem, continuemos com a mesma perspectiva e divaguemos:
Num «Postal do Porto», publicado no Timoneiro de Novembro de 1983, escrevia (há um preâmbulo que não suprimi porque está ligado ao contexto...):

1. Vamos hoje partilhar este bocadinho de prosa que vinha no Gaiato, assinada pelo Padre Moura:
«Naquele mesmo dia demos um saltinho à Gafanha da Nazaré, a uma empresa de pesca ligada ao bacalhau. Fomos lá buscar dois fardos, oferecidos.
Um dia, nos fins de Setembro, em Paço de Sousa, recebemos a visita da família que administra a empresa. Até nos foram oferecidos, para além de outros valores, dois fardos de bacalhau bem cada mês do ano!
Deus seja louvado pelo Homem que dá o que é seu! Pelos pescadores de rosto queimado, habituados a subir e a descer as ondas do mar, tão longe da sua terra! Pelo mar, sinal de vida, um movimento para o Infinito!... E pelos peixes, escondidos na profundeza das águas, que são uma maravilha para os olhos e alimento para nós. Por tudo, a nossa gratidão!»


2. Esta oferta de BACALHAU recordou-me uma outra que o mar fez aos «pobres» da zona onde vivia, deve haver para aí uns trinta e tantos anos.
Foi o caso... Afundou-se, ali à boca da Barra, um navio – O PRIMEIRO NAVEGANTE, salvo erro.
O bacalhau libertou-se dos porões e, levado pela corrente e «atraído» pelas pedras, foi refugiar-se nas rochas da Meia Laranja, nas tocas. Era meter-se lá, fugir às ondas, e vir a pingar bacalhau e a escorrer água e areia.
Aquilo foi uma fartura! Trazia-se para casa às carradas.
Chegado aí – cada casa era uma seca e cada família, uma empresa -, era lavado e limpo da areia e posto a secar. Nenhum se estragou, que, enquanto havia bacalhau fresco a secar, não mais se provou outro conduto. E afinal nenhum peixe chegou a secar nem se guardou de reserva... a não ser na «barriga».

Felizmente neste naufrágio não houve vítimas a lamentar e talvez por isso o bacalhau era tão saboroso com o pequeno (!) senão de um ou outro grão de areia fazer música nos dentes.

Manuel


Editado por Fernando Martins | Sábado, 31 Outubro , 2009, 23:41
BACALHAU EM DATAS - 45




NO BICO (MURTOSA) CONSTRÓI-SE
O “MARIA DAS FLORES”

Caríssimo/a:

1946 - «Os arrastões que compunham a frota de 1946 eram os seguintes: SANTA JOANA e SANTA PRINCESA, da praça de Aveiro, e JOÃO CORTE REAL, ÁLVARO MARTINS HOMEM, JOÃO ÁLVARES FAGUNDES e PEDRO BARCELOS, pertencentes à praça de Lisboa. Os arrastões que compunham a frota do final da década de quarenta, possuíam todos TSF, radar, radiogoniómetro e instalações consideradas como boas e confortáveis para a tripulação.» [Oc45, 119, n. 9]

«No período pós-guerra verificou-se uma abertura às construções em estaleiros estrangeiros. [p. 119, n. 10] Nos últimos anos da década de quarenta, chegaram a Portugal navios destinados à pesca do bacalhau provenientes de estaleiros de Inglaterra, Holanda e Itália. Entre as muitas unidades provenientes desses estaleiros, destacam-se os navios de pesca à linha CONCEIÇÃO VILARINHO, SERNACHE, VAZ, e os arrastões PÁDUA, CONCEIÇÃO VILARINHO, SANTO ANDRÉ, SANTA MAFALDA, ANTÓNIO PASCOAL e SOTO-MAIOR.» [Oc45, 114]

«Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo são fundados em 1946, por iniciativa dos armadores Vasco de Albuquerque d'Orey e João Alves Cerqueira. Em 1948 apresentaram as primeiras embarcações destinadas à pesca do bacalhau.» [Oc45, 119, n. 11]

«Referindo-se ao processo de renovação da frota bacalhoeira, o Jornal do Pescador constatava: “renasceu a construção naval” na Murtosa. O mestre José Maria Lopes de Almeida, por encomenda do industrial e proprietário dos estaleiros do Bico da Murtosa, João Carlos Tavares, concluía em 1946 a construção do lugre de madeira de três mastros, o MARIA DAS FLORES, que viria a participar na campanha desse mesmo ano, ao serviço da Empresa Comercial e Industrial de Pesca, Pescal. A esta construção juntou-se, no mesmo ano, a do lugre MARIA ONDINA, trazendo ambos a alegria aos habitantes da região, pois estes estaleiros davam trabalho a muitos operários da zona. Apesar de o estaleiro ocupar um espaço exíguo no Cais do Bico, o mestre construtor José Maria Lopes de Almeida conseguiu obrar um navio como o MARIA DAS FLORES, de 50 m de comprimento e 10,30 m de largura, num total de 800 t. Esta embarcação, desenhada pelo arqueador oficial António Maria Rodrigues, possuía alojamentos para 50 pescadores, um motor propulsor de 340 CV e dois motores auxiliares com a missão de fornecer energia ao frigorífico e iluminação.» [Oc45, 115]

24 OUTUBRO - «PRIMEIRO NAVEGANTE» Lugre motor Naufragou ao Sul, próximo do Farol.[História da Pilotagem Prática em Portugal, António Joaquim Martins, p. 94]

«[...] No dia 24 do referido mês, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o Lousado, o Navegante II, o Ilhavense II, o Santa Mafalda, o Maria das Flores, o António Ribau e o Viriato. Vinha o Maria das Flores, a entrar, rebocado pelo “Marialva”, quando o “Vouga” lançou o cabo ao Primeiro Navegante, iniciando o caminho já percorrido com os outros navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com violentas rajadas de vento, encheram todo o poço do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os esforços do rebocador “Vouga”. Também o “Marialva” veio em auxílio do lugre, perante o perigo iminente que ele corria, mas os seus esforços também foram em vão.[...]» [Vd. Mais no blogue Marintimidades, de Ana Maria Lopes, no dia 26/02/2009]

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 25 Outubro , 2009, 00:49
BACALHAU EM DATAS - 44



D. João Evangelista


A BÊNÇÃO DO INÁCIO CUNHA

Caríssimo/a:

Vem daí comigo ao Estaleiro que o ambiente é de festa... Já lá vão tantos anos, mas vale a pena observar tudo através dos olhos privilegiados de alguém que participa e vive intensamente o momento:

«A BÊNÇÃO DO LUGRE

O cenário é o mesmo do da nau Portugal. Um sopro discreto e fagueiro do vento encrespa e orla de espuma a maré-cheia. Sabem-nos os beiços e a língua a salgado. E dentro da alma, à sua maneira, na sua esfera, sente-se como que a repercussão da frescura que, por fora, nos toca e consola a pele.
Estava tentado a repetir o que ouvi uma vez ao Cónego Pontes, num êxtase, diante de um espectáculo soberbo do Atlântico:
- Há coisas que nos reconciliam com a Natureza!
Eu não ando zangado com a Natureza; ao contrário, eu e ela sempre nos temos entendido perfeitamente. Mas, com efeito, no caso de alguma hora de amuo que nem todas as horas são as mesmas na vida, aquela Gafanha que só tem de esquisito o nome, com a cintura azulada das suas águas, com o murmúrio terno das suas ondas, com aquele ar fino que nos limpa a fronte, se o suor corre penosamente por ela, com aquela agitação das gaivotas, das narcejas e dos maçaricos que parecem doidos de alegria e de fome, só ela bastaria para fazer as tais pazes de que falava, à beira do Oceano, o filósofo Pontes. Não era preciso mais nada.
Os estaleiros eram nessa tarde campo apertado para uma tal multidão de gente. Valia, para os descongestionar um pouco, a linha longa da estrada e da praia e, melhor ainda, o convés dos navios vizinhos, as amuradas, e até as vergas dos mastros, improvisadas para o efeito em camarotes e galerias. Não haveria teatro que se lhes pudesse parecer.
E no meio lá estava ele, o «lnácio da Cunha», ainda preso à terra pelas amarras, ainda seguro por cabos, mas parece que com dois olhos enormes na quilha a cobiçar já as águas e a lamentar a demora do seu bota-abaixo. Lembrava a águia que se quer lançar aos espaços e fitar de frente nas alturas o sol, mas que se sente atada por um laço no pé ao chão.
A Igreja, nestas bênçãos dos barcos de pesca, foi buscar ao Evangelho o que mais próprio poderia parecer para animar e dar confiança e alegria aos homens na sua faina: a tempestade de Tiberíades, quando os apóstolos, cansados de lutar com as ondas, ao fim vencidos, foram acordar o Mestre que dormia tranquilo, como um menino no regaço da sua mãe, à proa da bateirinha; e o Mestre, erguendo-se, esfregando os olhos do sono, disse-lhes com dolente sorriso, que era uma benção:
- Não estava eu aqui? Que medo é esse?
Ou então quando os apóstolos, ainda pescadores, depois de uma noite inteira de labuta infrutífera, tendo-lhes pergunntado o Mestre, ao romper da manhã, vaga silhueta na praia, em pé na areia:
- Moços, foi boa a pesca?
E eles reponderam, abanando os ombros de fadiga e desânimo:
- Nem sequer um!
- Deitai as redes daquele outro lado - apontou o Senhor.
E daí a pouco, ao recolherem o saco, era peixe de estoirar as malhas!
Coisa maravilhosa! - já dizia no seu tempo Montesquieu - A Igreja Católica, que parece não ter outra ocupação senão os destinos eternos do homem, também se interessa, mesmo até estas minúcias de ventos prósperos e pescarias, mesmo até pequenos detalhes de enxalavares e de remos, pelo aconchego material dos seus filhos. E, sem que nenhum mestre de cerimónias indicasse ao povo a liturgia do acto, ele por si mesmo, com uma espécie de instintivo respeito, ministros, soldados, marinheiros, magistrados, arrais, pescadores, operários, crianças, todos se descobriram e perfilaram quando o Pontífice, com o seu raminho de paz, de água benta, aspergiu o costado e o coração da nau e assim a fortaleceu para os dramas e para as conquistas do mar.
- Aquelas duas escoras acompanham o navio até à água - explicava assim ao meu lado uma mulher com a cara tão torrada do sol da Gafanha que já parecia da cor do seu lenço preto.
Não se poderia exprimir por uma forma tão graciosa, tão poética, tão literária, eu ia a dizer tão rítmica, tão musical, um pensamento de pura técnica. O que se aprende a escutar o povo!
O mundo então por um momento parou.
- Em nome de Deus e da Pátria, vai lá!
Ouviu-se a voz do machado que partia as cordas no seu cruzamento e logo a mole, até aí parada, tomou fôlego, deu um arranco e docemente mergulhou na ria, dando em seguida, com uma elegância estranha, meia volta para se mostrar a todos.
O cenário era o mesmo mas desta vez, graças a Deus, a nau não tombou para o lado, com a melancólica resignação da outra, com os mastros estendidos na água como em esquife.
Deus vá e volte contigo, com os seus anjos e arcanjos ao leme, com a Estrela do Mar a guiar-te, adormecida nas ondas, ó nau da Pátria!»
(CV, n.º 731, de 5-5-1945, pg. 1)

in Aveiro-suas gentes, terras e costumes, D. João Evangelista de Lima Vidal, pp. 131-133

Manuel




Editado por Fernando Martins | Domingo, 18 Outubro , 2009, 13:36

BACALHAU EM DATAS - 43

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VAI EM NOME DE DEUS... E DO ESTADO NOVO!
 

Caríssimo/a:

1945 - «Fruto do plano de construção de navios-motor de madeira, foram lançados à água, no ano de 1945, ao navios do “tipo CRCB”: CAPITÃO FERREIRA, JOÃO COSTA, INÁCIO CUNHA, LUTADOR, ELIZABETH e ANTÓNIO COUTINHO, construídos pelos irmãos Mónica , na Figueira da Foz e na Gafanha da Nazaré, aos quais se juntariam unidades de características diferentes – o lugre-motor VIRIATO, e os arrastões em ferro e a motor JOÃO ÁLVARES FAGUNDES e PEDRO DE BARCELOS, saídos das carreiras dos estaleiros da CUF.» [Oc45, 113]

 

«Depois de um interregno em que os dois estaleiros de Manuel e António Mónica se dedicaram a outro tipo de construções em madeira e aço, em 1945 voltam a inserir-se no plano de renovação da frota, mais concretamente na construção de navios-motor do “tipo CRCB”. Em Abril desse ano, desceu as carreiras do estaleiro de Manuel Maria Mónica, o INÁCIO CUNHA, encomendado pela empresa Testa & Cunhas. Foi considerado pelo Diário de Lisboa como um navio “de linhas elegantes, a mais sóbria unidade construída nos estaleiros Mónica”. O INÁCIO CUNHA foi o primeiro navio do “tipo CRCB”, na linha do COMANDANTE TENREIRO e BISSAYA BARRETO (construídos em 1943, por Benjamim Mónica nos estaleiros da Murraceira), dentro do plano concebido pelo Ministério da Economia, a possuir dois castelos (elevações sobre o convés) e mastros de aço, o mais completo até então construído em madeira. Possuindo os aperfeiçoamentos mais modernos, incluindo telegrafia e telefonia, todas as comodidades e sistemas de segurança foram contemplados para os 63 marinheiros. Dispondo de 53 m de comprimento e de um motor de 535 CV, deslocava 950 t, a capacidade de carga atingia as 720 t de bacalhau, o convés era duplo e estava provido de um castelo para arrumação dos dóris.» [Oc45, 117 e 118]

 

«Decorria ainda o ano de 1945 e um outro elemento da família Mónica, Alberto de Matos Mónica, lançava à água, nos seus próprios estaleiros, o VIRIATO, sob encomenda dos Armazéns Luís da Costa & C.ª L.da, de Lisboa. Deslocava 900 t, tinha 52 m de comprimento, estava dotado de um motor de 480 CV e de todos os requisitos modernos.» [Oc45, 118]

 

«A 20 de Dezembro de 1945, efectuou-se o bota-abaixo destes dois navios onde o mestre construtor naval Benjamim Mónica foi auxiliado, devido às más condições climatéricas, pelo seu irmão Manuel Maria Bolais Mónica. Ao cortar o cabo do JOÃO COSTA, o Comandante Henrique Tenreiro não hesitou em bem-fadar o navio: - “Vai em nome de Deus e do Estado Novo”. As novas unidades chamar-se-iam CAPITÃO FERREIRA e JOÃO COSTA, a primeira para a Atlântico Companhia Portuguesa de Pesca, L.da e a segunda para a Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, L.da. A sua construção foi iniciada após o bota-abaixo dos barcos BISSAYA BARRETO e COMANDANTE TENREIRO. Estas duas novas unidades tinham cerca de 53 m de comprimento, deslocavam 1500 t brutas cada e possuíam motores ingleses de 660 CV. Perante os resultados auspiciosos obtidos com estas quatro unidades, os agora Estaleiros Navais do Mondego, L.da, cujo accionista principal era a Lusitâinia Portuguesa de Pesca, e como gerente técnico Benjamim Mónica, podiam alargar a sua esfera de acção, tanto mais que possuíam licença para construções em ferro desde 1943.» [Oc45, 116]
 
Manuel

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