Li, num repente, o último livro de Senos da Fonseca, “O LABAREDA”. Com muito prazer o traguei, página a página, quase sem mastigar. Depois, para saborear ideias e poemas que me fizeram retroceder no tempo, voltava atrás, relia, parava, e o filme corria lento à espera que eu recordasse mais cenas da minha meninice.
Figuras de homens e mulheres, que o autor tão bem retrata, fizeram-me rir, e trouxeram-me saudades que me comoveram. Da ria, da borda d´água, dos mercantéis e moliceiros, do linguajar dos pescadores e peixeiras, dos namoricos, dos jaquinzinhos de escabeche, da barca que na “Bruxa” esperava, pachorrentamente, que passageiros chegassem.
O autor, conhecedor profundo da laguna, das marés e das artes de velas e lemes, ofereceu-nos, com sensibilidade e poesia, a estória de uma mulher d´ Ílhavo, Maria, “símbolo de sacrifício, denodo e perseverança, à volta da qual cirandava todo o agregado familiar, girando em torno dos seus desejos, das suas aspirações e da sua indomável vontade”, que se apaixonou pelo Labareda, um murtoseiro que nestas bandas encontrou amor e novos horizontes.
Senos da Fonseca, apaixonado desde há muito pela nossa terra e pela nossa gente, soube encadear, neste livrinho, nacos dos quotidianos dos ílhavos de antanho com evocações de pessoas que fizeram história, ora ficcionando ora recordando o pouco que se sabe da Joana “Maluca”, que recebia em sua casa o José Estêvão e outros fidalgotes, enquanto fumava o seu charuto.
Uma das riquezas deste livrinho está no registo do linguajar do povo, a cair em desuso. São 356 palavras ou expressões, traduzidas em pé de página, que urge ampliar, em dicionário, para estudo dos povos que deram vida, expressiva, ao concelho de Ílhavo e daqui se espalharam pela costa marinha do país. Para se guardarem como marcas indeléveis do povo que nos deu lições de vida, iletrado mas cheio de humanidade. Também rico de conhecimentos alicerçados na escola do trabalho agreste e que os livros nem sempre sabem dar. “As atracações ‘À LABAREDA’, que todos pretenderam – mesmo depois da sua morte – imitar, ficaram na história da laguna. Ninguém as conseguiu igualar. Tornaram-se lenda na história da Costa Nova no dealbar do Séc. XX, e ainda hoje perdura na rapaziada, o hábito de gabar uma ousada manobra de embarcação, pronunciando: essa foi ‘à Labareda’.”
“O LABAREDA” apresenta-se em edição cuidada, com ilustrações de J. António Paradela, que são uma mais-valia para a obra, num formato A5 deitado, cartonado, em bom papel. Trata-se de uma livro que merece ser divulgado junto de toda a gente, em especial dos jovens. É imperioso estimulá-los, para que busquem as nossas raízes com afinco, amem as nossas tradições e preservem a riqueza da nossa história local.
Fernando Martins