Talvez não haja muito que contar, meus filhos, porque não são muitas as coisas que aconteceram, no espaço de uma sempre breve vida, que valha a pena reter e transmitir. Ao contrário, a arte de esquecer a inutilidade em que se traduz a maior parte das inquietações que consomem o nosso tempo, reduz as recordações a tão pouco que muitas vezes se contam num gesto, e sem palavras.
É assim que os que se amam, e até os que se odeiam, adoptam uma espécie de código secreto e breve que resume num instante anos de convívio. Porque quase tudo se concentra num resumo sem grande importância, depois de ter parecido que justificava canseiras demoradas, debates prolongados, vigílias de angústia, pontos finais. Nisso se gasta a maior parte daquilo que chamam o nosso tempo, e que é simplesmente a nossa vida, que é em unidades de vida que o tempo se mede. Entretanto, descura-se o essencial nos nadas a que não sabemos que nos obriga. É por isso que os livros de memórias tantas vezes parecem mais um protesto do que um testemunho, às voltas com a espuma do tempo, tempo perdido, tempo doado, unidades de vida.
Páginas consagradas ao tempo perdido, repletas das anotações raivosas do que não a valia a pena ter sido dito ou feito, e que teimam em nos fazer partilhar numa espécie de vingança indiscriminada contra as gerações futuras. Não gostaria de recordar nada que se inspirasse numa fraqueza humana, nem de contar senão aquilo que anda ligado, na minha experiência, às pessoas e coisas que me pareceram tocadas pelo sopro da sobrevivência.
Adriano Moreira
In A Espuma do Tempo - Memórias do Tempo de Vésperas, Ed. Almedina