Irreverência II
“Sleep is my only homework.
And I wish I had more of it”
(O meu único trabalho de casa é dormir. E gostaria de ter mais trabalho desse...)
Em letras brancas, garrafais, sobre fundo preto, ostentava com ar desafiador, aquela inscrição na sua t-shirt nova. Era aquele aluno, oriundo dali, da Costa Nova, com uns olhos verde-água, quase transparentes, penetrantes.
A língua inglesa era para ele uma toada estranha, que em nada se assemelhava aos pregões que ouvia no mercado, onde a sua família vendia o pescado. Não vislumbrava qualquer utilidade nela, nem sequer na época balnear, em que a sua zona era visitada e frequentada por uma multidão de turistas estrangeiros. A ocupação nos tempos de férias, em restaurantes e bares, onde podia usar, dar utilidade à língua estrangeira, não era suficientemente atractiva para o demover da sua inércia. Deixava-a passar ao lado! P’ra quê falar Inglês, se os seus compinchas tão bem o entendiam e as suas aspirações na vida, não tinham acompanhado o seu crescimento, tinham ficado anãs?
Aquela inscrição, subversiva, em Inglês, despertara-lhe o apetite! Era “in” exibir um dito jocoso, na língua mais falada do planeta!
A teacher esteve atenta e aproveitou, pedagogicamente, aquela intencionalidade irreverente. Pelo menos, aquela frase entrara-lhe e sabia o seu significado! Atrás desse, outros viriam, também provocadores, mas... o que interessa é que lhes visse a utilidade.
T-shirts com inscrições, em Inglês, mescladas com certa conotação humorística, sempre foram do agrado da teacher, que ainda hoje as usa no seu quotidiano. Desde cedo que exerceram fascínio na sua mente feminina e a aquisição dessas peças de vestuário tem sido uma prática recorrente. Evoca aquela fase dos seus verdes anos, na Faculdade, em que se pavoneava pelas ruas da Lusa Atenas com a efígie do cantor pop Johnny Holliday. A revista jovem da altura, Salut les coupains promovera a venda dessas t-shirts a troco de uma pequena quantia em francos. Fã que era do cantor, lá vai a jovem universitária encomendar e receber, pelos CTT, a almejada encomenda. Ah! Aquilo é que foi um delírio! Toda ufana e ostentando uma coisa original (ninguém fora tão excêntrico (!?) percorria o caminho para a universidade e ouvia, com a timidez duma teenager, o piropo avulso de algum transeunte com quem se cruzava! O rosto estampado no peito daquele cantor francês era o mote para uma comunicação unilateral... mas que dava algum gozo àquela aspirante a teacher!
Afinal, aquela criatura ingénua, com ar de santinha, introvertida e sonhadora, tinha lá no fundo, aprisionada, a sua fracção de irreverência que haveria de explodir num futuro longínquo... quiçá na idade madura!
M.ª Donzília Almeida
05.06.09