de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Sábado, 11 Outubro , 2008, 12:54

No domingo passado, Bento XVI inaugurou a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocada para debater A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Na homilia de abertura, o Papa traçou um quadro negro sobre a perda de influência do cristianismo na Europa e advertiu que a fé pode mesmo extinguir-se em certas regiões do mundo.
O Sínodo, que foi criado em 1965 por Paulo VI e se reúne, de forma ordinária, de três em três anos, é, a seguir a um Concílio Ecuménico, a instância mais importante de cole-gialidade "democrática" na Igreja, ainda que o seu poder não seja de decisão, mas só de aconselhamento do Papa.
A presente Assembleia, que decorre até 26 deste mês e reúne 253 padres sinodais - 90 delegados vêm da Europa, 51 da África, 62 da América, 41 da Ásia, e nove da Oceânia -, havendo ainda a presença de 41 peritos (de 23 países), 37 auditores (de 26 países) e representantes de dez Igrejas e comunidades eclesiais não católicas -, tem algumas novidades.
Assim, logo na segunda-feira, o rabino Shear Yeshuv Cohen, de Haifa, foi o primeiro judeu a dirigir-se a um Sínodo. Referiu a importância dos textos bíblicos para a vida e oração dos judeus, mas, inesperadamente, reabriu a polémica sobre o Papa Pio XII, por causa da sua atitude durante o Holocausto. Explicitando, disse aos jornalistas: "Pio XII não deveria ser beatificado, porque não nos salvou nem levantou a voz, embora tenha procurado ajudar secretamente." Bento XVI veio em defesa de Pio XII, e o secretário de Estado, cardeal T. Bertone, escreveu: "Pio XII não ficou em silêncio nem foi anti-semita, foi prudente."
Também num gesto inédito, no próximo dia 18, o patriarca ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I, dirigir-se-á igualmente ao Sínodo.
Outra novidade é uma significativa presença de mulheres: 25, sendo seis peritas - a maior parte delas professoras de Bíblia -, e 19 auditoras, isto é, assistentes. Aliás, o movimento Somos Igreja tinha reivindicado que o Sínodo reconsiderasse a necessidade de uma mais viva participação das mulheres na Igreja, em conexão com a Bíblia. Neste sentido, há quem chame justamente a atenção para a influência que as mulheres enquanto teólogas e professoras de Sagrada Escritura acabarão agora por ter na formação dos futuros padres.
Durante 20 dias, os bispos tentarão concertar estratégias para acabar com a desligação da Bíblia por parte dos cristãos católicos. Este interesse é recente, posterior ao Concílio Vaticano II. Conheço uma freira a quem a superiora tirou a Bíblia, quando, na década de 50 do século passado, chegou ao convento. Em 1713, o Papa Clemente XI condenou como errada a seguinte afirmação: "A leitura da Sagrada Escritura é para todos."
Outras questões estarão sobre a mesa dos debates do Sínodo: as relações entre a religião e a ciência, a indiferença religiosa crescente, sobretudo na Europa, a relação com o judaísmo. Mas é de supor que o núcleo da reflexão girará à volta da interpretação da Bíblia.
Não se pode esquecer que a Bíblia é constituída por 73 livros - 46, no Antigo Testamento e 27, no Novo - e que o processo da sua formação e redacção durou mais de mil anos. Trata-se, pois, de uma obra de muitos autores, a maior parte deles desconhecidos, tornando-se assim claro que, em ordem à sua compreensão, é necessário conhecer a história dos textos, as línguas em que foram escritos, os lugares, os tempos, os géneros literários e os contextos em que foram redigidos e os destinatários a que se dirigiam, e ainda atender à sua configuração final.
O Sínodo tem consciência do trabalho ingente neste domínio. No documento que serve de introdução e preparação dos seus trabalhos, lê-se: "Não faltam os riscos de uma interpretação arbitrária e redutora, resultantes sobretudo do fundamentalismo, que faz com que, por um lado, se manifeste o desejo de permanecer fiéis ao texto, mas, por outro, se ignore a própria natureza dos textos, caindo em erros graves. E, depois de alertar para o perigo das "chamadas leituras ideológicas", conclui: "Nota-se, em geral, um conhecimento fraco ou impreciso das regras hermenêuticas."

Anselmo Borges, no DN
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