Caríssima/o:
Vamos hoje encontrar uma figura impagável e inapagável da nossa memória colectiva. Ler o P. João Vieira Resende é um refrescar dessa mesma memória que se quer sempre viva e interpelante. Os [] indicam-nos as páginas da Monografia onde se encontram estas imagens:
«Antes que chegassem, porém, os pioneiros da instrução, ou fosse o professor primário, ou fosse o capelão permanente, depois pároco da Gafanha, como viviam estes povos, isolados do convívio social, entregues à crítica situação de primários, aos seus instintos semi-bárbaros? [207]
Viviam no seu deserto, na mais completa rudez; se quiseram afinar as suas almas e levantar-se ao nível de homens civilizados, viram-se na dura necessidade de desdobrar as suas energias, gastas nas lides de remexer as areias, num outro plano, todo de formação espiritual e de sacrifícios, o qual consistia em reservar uma parte da noite para aprender o abc, que um mestre improvisado insuficientemente lhes ia ensinando. Pouco avançavam com uma instrução tão rudimentar e subministrada a conta-gotas por um ou outro mestre particular. Mas que podia ele fazer sem método, em noites de inverno, à luz mortiça da candeia, em uma espécie de sala incómoda, onde penetrava o vento e caía a chuva? Ainda assim, lá se iam desbravando aqueles cérebros broncos, fechados às claridades da instrução.
Conhecemos na Encarnação o senhor mestre Manuel das Neves que ensinou, com certo gosto e proficiência, algumas dezenas de rapazes a ler, escrever e contar. Ainda existem alguns homens que lhe devem o pouco que sabem.
Este tinha sido precedido por outro mestre, o João Gramata, irmão da Joana Maluca.
Na Cale da Vila também a mocidade aprendia com Domingos Fernandes Caleiro.
O povo respeitava-os muito, e por isso os tratava com muita deferência, chamando-lhe o “Senhor Mestre”.
E antes destes, quantos! Devemos, pois, render preito a estes homens, a estes “Senhores Mestres” pelo amor que tiveram à instrução e pelo muito bem que fizeram.
Em tão rudimentares escolas eram sempre muito poucos os que alguma coisa aprendiam e inúmeros os que não passavam do soletrar, pois que os frequentadores delas eram, em geral, homens já feitos que pouco ou nada aproveitaram.
Cansados pelos trabalhos do dia, como poderiam aplicar-se convenientemente ao estudo, a cair de sono e com mestres inaptos?!
Mestres e discípulos, ainda que animados de muito boa vontade, deixavam sempre uma obra incompleta, ficando muito limitado o número dos que mal sabiam ler e pior assinar o seu nome.»[208]
Aqui fica a minha modesta mas sincera homenagem, o meu “preito a estes homens, a estes 'Senhores Mestres', pelo amor que tiveram à instrução e pelo muito bem que fizeram”!
Que este “AMOR” e este “BEM” iluminem ainda hoje as nossas Escolas!
Manuel