de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 30 Janeiro , 2008, 14:50
Navio-museu Santo André. Quando lá vou ou o vejo, tantas recordações me saltam na memória


HORA DA SAUDADE

“Hora da Saudade” era um programa da Emissora Nacional, destinado a emitir mensagens para os bacalhoeiros portugueses, que se encontravam nos mares da Terra Nova e da Gronelândia. Na Gafanha da Nazaré, as emissões eram à noite e saíam do Cine-Teatro Triunfo, localizado na Cale da Vila, na Rua D. Manuel Trindade Salgueiro, na esquina com a Rua D. Fernando.
Um dia destes, ao manusear O ILHAVENSE, de 10 de Setembro de 1953, encontrei a notícia que transcrevo, em jeito de recordação. Era eu, em nome da família, que participava na “Hora da Saudade”, lendo a mensagem previamente escrita e dirigida a meu pai, contramestre do arrastão Santo André, um dos campeões do mundo da pesca do fiel amigo. Recordo, com que saudade, esses momentos comoventes que por vezes me bloqueavam, tremendo na leitura. Como acontecia a tantos outros familiares dos bravos lobos-do-mar. Algumas esposas e mães, ora alegres e esfusiantes, ora tristes e mais comedidas, lá iam lendo com desenvoltura ou soletrando com dificuldade as mensagens, que o locutor anunciava, pausadamente. No meu caso, era assim: “Para Armando Lourenço Martins, tripulante do Santo André, vai falar seu filho Fernando.”
Eu lia, então, e quando terminava saía feliz. O meu pai, longe, muito longe, bem avisado, como todos, tinha ouvido a minha voz e escutado, e gravado na sua alma, a mensagem da família.
Aqui fica a notícia que li no jornal O ILHAVENSE:

Hora da Saudade

Sob a presidência do sr. Capitão do Porto de Aveiro, comandante Carlos Pinto Basto Carreira, realizou-se em Ílhavo, no dia 30 de Agosto e na Gafanha da Nazaré, no dia 6 do corrente [Setembro], pela 2.ª vez este ano [1953], a “Hora da Saudade” dedicada aos pescadores do bacalhau, sendo lidas muitas mensagens por pessoas de família daqueles trabalhadores do mar.

Fernando Martins



João Marçal a 30 de Janeiro de 2008 às 17:01
Era um momento solene para quem emitia e para quem recebia. Aos oito anos enviei também uma mensagem para o meu tio Manuel, contramestre do lugre "Brites" e como resposta recebi a primeira carta que alguém me escreveu. Isso fica para toda a vida.
Em 1972,(em situação inversa)tive a alegria de receber de surpresa uma mensagem de quem com voz embargada pela emoção me dirigia palavras de conforto. Sei portanto avaliar duplamente estes momentos.

Bem haja.

JM

Anónimo a 30 de Janeiro de 2008 às 22:10
E o que dizias ao Avô Grilo?

FM.

Fernando Martins a 31 de Janeiro de 2008 às 11:44
Meu caro

As mensagens eram telegráficas. Uma ou duas frases. Mais uma ou outra de fugida e a correr, que o locutor já estava a anunciar a seguinte...
A alegria era só, ou quase, de nos fazermos ouvir por quem amamos...E quando ele chegava, lá vinha a pergunta:
- Ouviu-me bem, Pai?
- Ouvi, ouvi; falaste muito bem! - dizia ele.
Com que saudades recordo esses momentos únicos e tão simples!...

Fernando Martins

joão marçal a 31 de Janeiro de 2008 às 16:34
As mensagens eram gravadas e posteriormente enviadas via rádio através dos serviços de onda curta da Emissora Nacional. Havia quem ouvisse as transmissões em casa e assim sentisse a emoção no mesmo momento em que eram recebidas.
Vivia-se com estas pequenas grandes coisas.

JM

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