Depois da Segunda Guerra Mundial não havia dinheiro. Lembro-me que pelo bilhete de identidade fui a primeira vez a Ílhavo e, a segunda, para fazer o exame da quarta classe; Aveiro só a visitei quando fiz o exame de admissão ao Liceu. Então, já no primeiro ano, a Professora de Português marcou uma redacção sobre “os comboios”, levantei-me e confessei que nunca tinha visto nenhum! Era assim naqueles tempos.
Os passeios escolares iniciaram-se anos mais tarde, já a década de 50 do século XX ia adiantada e em modalidade familiar: orçamento magro, quando se podia e o trabalho o permitia, os pais ou os avós acompanhavam o escolar.
A Guimarães foi o primeiro na condição de professor – quantas vezes lá iria depois! A passagem pelo Porto era obrigatória, tanto na ida como no regresso- havia só a ponte D. Luís. À tardinha parámos na Praça Marquês do Pombal - bom arvoredo, urinóis, igreja e adro, cafés e tascas. À hora da abalada, a minha camioneta partiu mas a do Professor Salviano ficou à espera de um marido que se perdeu [no dizer da esposa] porque “o senhor Professor não tomou conta do meu home!”.
E hoje a lenda não nos leva ao Castelo, mas bem perto da porta da traição:
Pois certa vez, o mais velho disse aos demais que tinha o carro aparelhado, que o mais novo agenciasse urna boa merenda e os outros dois que tratassem das mantas. Iam a uma romaria e decerto chegariam bem tarde. E à hora aprazada, Iá se meteram a caminho e quando chegaram, boas pessoas como eram, foram saudados com gritos de alegria e convites para os comes e os bebes. Porém, aconteceu algo que nunca se passara. Ficaram separados. Melhor, o mais novo, às tantas viu-se isolado dos manos. E preparava-se para furar a multidão em busca deles quando ficou de caras para uma jovem lindíssima, que lhe sorria. Pouco habituado a tais encontros, mesmo assim, ele não deixou de lhe sorrir e não tardou que ambos conversassem animadamente, a ponto de se apaixonarem. O moço estava entusiasmadíssimo e falava muito dos irmãos, pelo que foi ela a recomendar-lhe que se não precipitasse e fosse buscá-los para se conhecerem. E ele assim fez, pedindo -lhe que ela se não afastasse dali, pois não tardaria a regressar.
E o irmão mais novo lá conseguiu atravessar aquela gente toda a divertir-se e finalmente, deu com os irmãos, que estavam, preocupados. Sem dizer mais nada. anunciou que se ia casar. Disse que com uma rapariga lindíssima, mas os manos não o levaram a sério. No entanto, cada vez mais curiosos pela maneira como ele descrevia a moça, os manos quiseram conhecê-Ia, outorgando-se o mais velho o poder de poder optar ele próprio. E, em nome dos manos, foi procurar a jovem. Porém demorou a fazê-lo. Mas lá se encontrou com a rapariga.
Brincando com o fogo, ela disse-lhe que ele demorara tanto que já os outro, manos haviam estado com ela e todos ficaram apaixonados. Ora ela gostava também de todos quatro pelo que tinha decidido casar apenas com o mais forte, com o mais valente. E a melhor maneira de se saber qual, era uma luta entre eles. E pela primeira vez na vida dos quatro irmãos, houve rancor e ódio entre eles, pela posse daquela rapariga de artes diabólicas. Lutaram, tendo primeiro caído o mais velho, depois os outros dois conheceram o sabor do pó do chão da feira. O mais novo estava tão mal que nem sequer se poderia dizer que era sobrevivente da luta em que os lódãos tinham partido cabeças e ossos aos mais amigos e unidos irmãos de todo o Minho!
Expirou o mais novo nos braços do prior da freguesia, que não teve dúvidas em ver naquilo uma artimanha dos demónios para apanharem aquelas quatro boas almas. E fez erguer urna capelinha em memória deles, que eram seus amigos, e sobre cada sepultura apareceu um penedo. Vão lá ver o que resta ...» [V. M., 114]