O diabo do poder
Por Anselmo Borges
Quando se reflecte sobre o mal, o que mais impressiona é o mal moral: porque é que a liberdade não é sempre boa? Porque não fazemos sempre o bem?
Estas perguntas são de tal modo dramáticas que, para explicar o bem e o mal no mundo, muitas vezes se recorreu a um duplo Princípio: um Princípio do Bem e um Princípio do mal. No contexto do cristianismo, que, por sua vez, bebeu noutras fontes religiosas mais antigas, o diabo apareceu como "solução" para o enigma. Ele seria o Tentador e o ser humano nem sempre resiste à tentação.
Neste contexto, é preciso dizer, em primeiro lugar, que o Credo cristão não fala do diabo. O cristão não acredita no diabo, mas em Deus. Quanto ao diabo tentador, seria necessário perguntar quem tentou o diabo para, de anjo bom, se tornar anjo mau, precipitado no inferno e tentador dos homens. Lembro que já Kant fez notar que um catequizando iroquês perguntou ao missionário: porque é que Deus não acabou com o diabo? Quanto às tentações, não é preciso diabo nenhum. Bastamos nós. O Homem, entre a finitude e o Infinito, está inevitavelmente sujeito à falibilidade e à queda.