Aprender a viver com a crítica
I
A mecânica do arado é rudimentar,
clarividente e sóbria. Nada tem
em demasia: o que a função requer
e nada mais.
No perfil eficiente do arado
há qualquer coisa de navalha, qualquer coisa
de falo em riste, em transe de fecundar.
De facto, noutros tempos,
era o arado que rasgava a terra,
fazia dela um ventre aconchegado –
cenário certo para o deflagrar da vida
que vai dentro das sementes.
Isto foi no tempo em que havia agricultura
nos gestos quotidianos dos homens
e das mulheres.
II
O arado ainda está no curral,
encostado a um canto.
Já ninguém o usa, á excepção
das galinhas que se empoleiram nele
quando chega a hora de cismarem.
Por enquanto tem sido poupado ao fogo,
como se no seu futuro estivesse
ainda escrito um último regresso
às genésicas tarefas da lavoura.
Mas ele sabe que nada disso está escrito.
Melancólico, antecipa
a hora da corrosão.