de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Quinta-feira, 28 Janeiro , 2010, 22:40


Circo, feira de vaidades
ou o caos que se aproxima?

Em entrevista breve, por motivo do Prémio Pessoa, o bispo do Porto disse que “Os portugueses sobrevivem apesar de Portugal”. Sempre num contexto sócio-económico, diz ainda que “Portugal é um país crítico”. E acrescenta: “Portugal, como estudo de caso, é uma coisa apaixonante, porque é um país que não tinha nenhuma razão para subsistir e subsiste” (Expresso, caderno “Actual” 18-12-2009).
Não vi reacção, positiva ou negativa, a estas palavras de opinião livre de uma pessoa culta e atenta, pessoa que, neste momento, não falta, na comunicação social, quem a traga, frequentemente, à ribalta.
Guardei o jornal e recordei o que fora dito, para poder, com o dedo na mesma tecla, opinar também sobre o palco político que se nos abre e convida, sobremodo, a reflectir outras facetas deste “estudo de caso” e deste “país crítico”, dado que se vão gerando e disseminando preocupações em catadupa.
O panorama partidário é preocupante, como está à vista: os interesses pessoais sobrepõem-se aos problemas comuns e urgentes; na casa desarrumada, à espera de quem aí ponha ordem, surgem novos arruaceiros; as muitas contradições, que ninguém quer assumir, multiplicam-se escandalosamente; o prestígio pessoal e o desdém antecipam e perturbam, sem razões de estado, acontecimentos de cariz público, sem que se atenda às consequências; desfazem-se referências necessárias em troca de palavras vãs, que já ninguém respeita; os debates políticos vão se tornando uma náusea e só favorecem o narcisismo de alguns intervenientes, deliciados por se ouvirem a si próprios; aos problemas vitais responde-se com floreados, em vez de dar razões convincentes e de tomar decisões que levem a soluções esperadas.


Vemos, entretanto, isso sim, multiplicarem-se as vocações de parlamentares, tal o modo de os deputados dos diversos partidos se interpelarem e não se ouvirem, da ardilosa maneira de fugir às questões, do jeito descarado de fazer passar, por dogmas indiscutíveis, intervenções vazias de conteúdo e de sentido, da discussão palavrosa e inconsequente de problemas que requerem respostas urgentes, do aplaudir, frenético e comandado, de banalidades travestidas de retórica barata…
Generaliza-se a sensação de que os políticos sérios aguentam mas não acreditam que o país tenha saída. Nesta babilónica balbúrdia admiramos a paciência atenciosa e delicada do Presidente da Assembleia e dos que ainda por lá andam com inegável amor à Pátria e preocupados em lhe lançar uma bóia que a não deixe afogar.
E o que, no meio disto tudo, se vai lendo e ouvindo? “A Espanha é a nossa solução”, “Salazar, para quem as coisas não eram só projecto, eram concebidas para se fazerem… Ele que não acreditava na capacidade dos portugueses para se auto governarem”, e, ainda, “confiança e bom senso são coisas que não abundam entre alguns políticos”… Tudo isto palavras de gente com nome na praça, porque, se ouvirmos o homem da rua que ainda consegue, neste caos, guardar a lucidez, a sua eloquência é ainda mais cáustica.
A quem interessa ou pode interessar o desprestígio da acção política e da classe política? Só a peixes de águas turvas ou a fautores, que não faltam por aí, do quanto pior, melhor.
O país não está a saldo - por enquanto, dirão alguns - e os órgãos da soberania não são um ornato da nação, como não podem ser um pesadelo A saída tem de se operar com gente normal que ponha os interesses de todos acima dos próprios. Seja realista, não malabarista.
Não estamos num circo de fantoches, nem numa feira de vaidades. Estamos num espaço de vida, onde a vida é ainda possível. Só ela pode exorcizar o caos que espreita.

António Marcelino





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Editado por Fernando Martins | Quinta-feira, 28 Janeiro , 2010, 22:29


Auschwitz, a dor da memória

1. Celebra-se 65 anos do momento da abertura libertadora das portas do holocausto. A 27 de Janeiro de 1945 o mundo acordou para a confirmação do mais horrendo atentado contra a natureza humana. Quem visita Auschwitz – um milhão de visitantes por ano – faz silêncio e medita na condição humana. Nestes dias, aquelas imagens a preto-e-branco que parecem remontar a séculos atrás, fazem-nos sentir que não foi assim tão longe no tempo nem no espaço. 65 anos foi “ontem”, e foi “aqui perto”, que o inqualificável crime contra a humanidade foi meticulosamente planeado; a médio prazo num nacionalismo de um povo, a curto prazo numa “solução final” aplicada silenciosamente para quem “o trabalho liberta” (esta a frase de acolhimento à entrada do campo).



2. Jamais, como dizia uma historiadora nestes dias, compreenderemos a envolvência do que se passou, o sentir profundo do mártires e mesmo dos executantes e os gritos já sem voz da indignidade praticada em pessoas como nós, de carne e osso. Auschwitz apela em nós a profunda meditação e a necessidade sempre urgente de não apagar a memória para que ninguém esqueça… Os campos de concentração fazem parte do património comum da humanidade, mas de que humanidade? Da desumanidade para que a humanidade cresça e medite nas dores desta memória construída no centro do ocidente. Recordo de uma entrevista de um antigo militante da Al-Qaeda; ele lembrou que a pior dor humana continua a estar no holocausto criado pelas ideologias ocidentais.

3. Um pensamento de tanto que tem sido dito e que nos ficou é que «o holocausto é o lado mais negro da alma europeia». Não apagar a memória, mas meditar nas suas dores como aprendizagem, é um lema bom para o desenvolvimento justo dos povos. Mas persiste um hiato na comunicação mundial actual, mensagens tão sérias e iluminadoras que não passam; ilusões e ideologias extremistas que parecem ressurgir… Porquê?!


Editado por Fernando Martins | Quinta-feira, 28 Janeiro , 2010, 22:18


a cegueira aproxima-se
como uma águia branca

os olhos
lembro-me dos teus
e da casa velha
e nomes
antigos
feitos de ruínas
e sal

e da festa na casa velha
mergulhada
na tinta
das letras

e do fumo na casa velha

os olhos
lembro-me dos teus
e do sorriso
das gaivotas
quando passeávamos
de mãos dadas

e do gato cego
que me lambia as mãos
com a doçura
de quem sofre
e não sabe


orlando jorge figueiredo
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