A epopeia da Pesca do Bacalhau
não desmerece nada dos Descobrimentos
Valdemar Aveiro, 75 anos, capitão da Pesca do Bacalhau, acaba de reeditar “80 Graus Norte – recordações da Pesca do bacalhau”, agora em formato clássico, com a chancela da Editorial Futura. Para além de capitão, “foi um grande pescador e um grande homem”, no dizer de um seu tripulante, que recordou, com emoção, conversas muito próximas com o seu amigo comandante, olhando o mar onde procuravam o fiel amigo com entusiasmo nunca regateado.
Tendo Aveiro por apelido familiar, nasceu em Ílhavo, mas habituou-se a conviver com gafanhões desde menino, com sete anos, quando acompanhava sua mãe, vendedeira, por terras da Gafanha. Depois casou na Gafanha da Nazaré e está na história da Pesca do Bacalhau à linha, e não só.
O seu gosto pela escrita remonta à sua juventude, quando os amigos lhe pediam que escrevesse cartas de amor para as suas namoradas. Contudo, nunca se arriscou a escrever ficção, porque a arte de criar personagens, como fazem os ficcionistas, não lhe está no sangue. Mas escrever e falar sobre a epopeia da Pesca do Bacalhau, “que não desmerece nada dos Descobrimentos”, é com ele. Para breve haverá um novo livro, onde recordará empresas, empresários, gente da nossa terra. Não se considera escritor, mas “um contador de histórias”.
Miguel Veiga com Valdemar Aveiro, no lançamento do mais recente livro
O seu entusiasmo pelas recordações de tudo quanto envolve a saga dos bacalhaus é paralelo à necessidade que sente pela preservação da nossa identidade, indissoluvelmente ligada ao mar, desde tempos anteriores à nossa nacionalidade.
Valdemar Aveiro garante que a Pesca do Bacalhau, entre nós, “tem exactamente a idade da nacionalidade; iniciou-se no dia em que Portugal começou como nação; os povos que passariam a ser portugueses já pescavam bacalhau nos séculos X e XI”. Por isso, lembra o nosso entrevistado, “é um erro dizer-se que Portugal só se voltou para a pesca do bacalhau no século XV”.
“Toda a minha vida li muito, sobretudo romances históricos, entre outras literaturas, e essa paixão pela leitura levou-me a procurar, com avidez, escritores portugueses, alemães, ingleses e até suecos, entre outros”, referiu o Capitão Valdemar. E acrescenta: “De todos colhi ensinamentos; não ia propriamente à procura deles, mas quando surgiam, interiorizava-os, utilizando-os quando escrevia os meus livros.” O gosto pela leitura terá afugentado o cigarro, porque nunca fumou, “o que é raro, entre os homens do mar”, frisa o nosso interlocutor.
Entretanto, lembra que somos os maiores consumidores do mundo de bacalhau seco, “talvez por tradição”, e lamenta o abate da nossa frota, imposta pela UE. Sublinha com mágoa que, em seu entender, “jamais será possível retornar à Pesca do Bacalhau, com a força com que dantes o fizemos”.
Considera que os nossos pescadores e outros profissionais do mar, que sofreram as consequências do abate de tantos navios, “tiveram grande capacidade para se adaptarem a novas actividades”.
Valdemar Aveiro diz que Portugal foi o último país do mundo a abandonar à pesca à linha, nos dóris, “por mentalidade dos nossos governantes e porque tínhamos mão-de-obra barata”. Porém, havia ainda a tradição e a questão cultural: “Os pescadores reviam-se nas histórias que ouviam dos seus pais e avós e alimentavam o sentido heróico que nos está no sangue”, explica.
Quando evoca os pescadores que mais de perto com ele conviveram, nos mares gelados da Gronelândia e da Terra Nova, e que o marcaram para a vida, o seu rosto como que se ilumina. E falou do seu primo Necas da Pardala, de Ílhavo, “o maior pescador de bacalhau de todos os tempos”, e dos gafanhões Alexandre da Barra, Aristides Nunes e dos Palões, “todos pescadores notáveis”, sintetiza.
Fernando Martins