À mesa servem-se Línguas
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Tinha um ar resoluto, aquele Ruiguila!
Tinha um ar resoluto, aquele
Ruiguila!
De estatura baixa, dois palmos de gente....cabelo em crista incipiente e o brinco bem assertoado na orelha, lá entrava ele na sala, com o seu ar de liderança. Era já veterano na Escola, apesar de estar apenas no 5º ano. A sua postura de inata contestação, aliada a uma pretensa assertividade, haviam-lhe granjeado o papel de Assessor do D.T. Este, com a larga visão da sua função docente, tinha-o empossado em funções que lhe iriam desenvolver e alimentar a auto-estima. Com esta em níveis satisfatórios era fácil conquistá-lo para o contrato pedagógico. A ajuda que deu ao D.T. no dia da apresentação e recepção, aos caloiros, foi a prova máxima da sua eficaz colaboração.
A atribuição de responsabilidades a este género de alunos, tem-se revelado uma estratégia eficiente no auto-controle da irreverência e impulsividade.
Logo nas primeiras aulas de Inglês, o Ruiguila revelara um interesse inusitado pela disciplina e a fraca reputação que o seu aspecto sugeria, parecia ser injustificada, aos olhos da teacher. Fazia perguntas sobre vocabulário que não fora ainda leccionado, sobretudo aquele que faz parte do léxico de qualquer adolescente, no relacionamento com o sexo oposto!
Acabou por revelar, em frente à turma, que conhecera uma francesa (!?) nas férias passadas e tivera necessidade de falar com ela. Gostou daquela mulher (!?) e na sua ingenuidade eivada de pragmatismo, quis confessar-lho, de viva voz. Mas... eis que depara com a barreira da língua. E... nem só de gestos vive um galanteador! Vai daí, o nosso herói põe os neurónios a funcionar e pensa como há-de fazer chegar, à eleita, os arroubos da alma que aquela figura feminina suscitara.
- Francês, não sei falar, está fora de questão! Mas... ah! Espera aí! Ela deve saber falar Inglês, como qualquer jovem hoje em dia!
Usando os parcos conhecimentos que possuía, não precisou de intérprete. Cavalheiro que se preza não põe as palavrinhas doces em boca alheia! Essas têm que ser usadas em primeira língua e... como o povo diz, acertadamente, estão sempre na ponta da mesma!
Assim se descartou o rapaz da dificuldade de comunicação e quis ali, em plena aula, certificar-se dos termos que havia usado e que guardaria para ocasiões futuras! I love you, kiss, my darling, sweetheart... etc, vieram à baila e foram o campo semântico, ali aprendido e partilhado por todos. Quem sabe quando voltarão a ser usados, aqueles termos... por esta gente de palmo e meio, que cada vez é mais precoce!?
Foi hilariante este desfiar de “experiência” no campo linguístico dos afectos! A teacher, sempre “oportunista”, serviu-se deste episódio fortuito que ocorreu na aula, para lhes falar sobre a importância e a necessidade de aprender línguas estrangeiras, neste particular, o Inglês.
Constituem uma mais-valia para qualquer cidadão do mundo e permitem-lhe um alargar de horizontes, nas múltiplas possibilidades de conhecer novas gentes, novas culturas, novas civilizações. Contribuem para uma mundividência mais universalista, pois potenciam o aprofundar do conhecimento.
E... lá no seu íntimo, a teacher rejubilou por ter, há décadas atrás, feito esta escolha profissional! Afinal, sempre há males que vêm por bem! Os efeitos perversos da Torre de Babel, permitem-lhe, hoje, angariar o seu ganha-pão, que de outra forma não teria cabimento.
M.ª Donzília Almeida
26.09.09