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uando, mais uma vez, cumpria o ritual de visitar as cabrinhas... E assim acabou o idílio
daquele “casalinho de rolas”
Era um regalo para os olhos, ver aquele casalinho tão unido! Não podiam ver-se um sem o outro e até a dormir ficavam coladinhos, no leito! As mais das vezes, assim acontecia, excepto quando a “menina” saltarica como todas as meninas-rapaz, pulava para o beliche que ficava por cima da cama comum! Era uma cesta de verga, semelhante a uma alcofinha de bebé, a que só faltavam os lençóis de fina cambraia! Talvez nas noites muito quentes, ela tivesse necessidade de mais espaço, de poder esticar-se à vontade, sem importunar o companheiro que permanecia fiel ao seu leito nupcial! Se calhar....até ressonava e queria poupá-lo a esse incómodo (!?)
Por várias vezes, a “pastora” a surpreendeu nesta pose e não resistiu a fixar a imagem para deleite futuro. Sim, constituía um espectáculo de rara ternura, ver uma cabrinha anã, deitada dentro dum cabaz comprido, e dormir o soninho dos justos nesse aconchego de verga.
Quando os ia colocar de manhã, no pasto, tinha que levar um de cada vez e isso era um problema, pois a privação do outro era um sofrimento tal, que originava um balir dolente e contínuo, até se encontrarem os dois pombinhos, outra vez juntos. Para abreviar esta eternidade, (!!!) a cabrinha era transportada ao colo da dona, que a segurava como uma peninha! Tão leve, tão delicada, tão franzina no seu corpinho de bonequinha de pêlo! Era uma delícia contemplá-la nas suas quatro patinhas, tão fininhas que se surpreendia como seguravam aquele corpito irrequieto. O companheiro, ávido de rever a “menina”, corria à frente da dona, quase se escapulindo pelo meio da erva circundante. Um dia, sem terem reivindicado nada, foi-lhes alargado o espaço de circulação e passaram a andar sem freio, sem limites, sem cordas. Foi a alegria consumada, do “casalinho de rolas”, que pôde dar largas à sua sede de liberdade! De vez em quando, uma rola que nidificara por ali, vinha partilhar do bebedouro franco, colocado no bosque, para mitigar a sede a todos os visitantes. A água quando nasce é para todos e ali se fazia prova do mesmo.
A dona deliciava-se nesta contemplação e até quase invejava a felicidade daquele parzinho amoroso! Tinham espaço amplo, sombra com abundância e comidinha fresca e variada. Até lhes era oferecida, à sobremesa, um petisco que devoravam num ápice. Um prato, de maçã laminada, descia até às cabrinhas, que lhes chamavam um figo! Têm boa boca as “meninas”! Boa e pequenina, por isso a dona tinha o cuidado de lhes preparar a iguaria, com o mesmo requinte que se deve a convidados especiais. Sempre que se aproximava da entrada do bosque, lá lhes cheirava a petisco e era vê-las a correr em direcção à paparoca! E tinham razão, pois vinha mesmo coisa boa!
Um dia, de manhã, quando mais uma vez cumpria o ritual de visitar as cabrinhas e de lhes franquear a saída para o seu repasto, a pastora teve uma alucinação! Uma alma penada, vinda dos confins dos infernos, entrara, à socapa, no ovil e arrebatara consigo a companheira fiel. Não sabe por que purgatório, ou inferno terá passado a criaturinha de Deus, antes de entregar a alma ao Criador, mas uma certeza ficou. Uma mágoa enorme, pelo desaparecimento duma coisinha tão pura, tão fofinha e sobretudo tão fiel ao seu companheiro de jornada! Este, não se viu derramar lágrimas como os humanos, mas no seu semblante, outrora tão gaiato, tão feliz, pousou uma enorme tristeza! Nos primeiros dias, quase não arredava pé do mesmo sítio e pouco ou nada comia. Como acontece a muitos seres humanos, foi condenado, sem culpa, a uma pena de solidão.....que segundo peritos na matéria.....mata!
E assim, acabou o idílio daquele “casalinho de rolas”, que para a dona era um parente próximo -os pombinhos!
Mª Donzília Almeida
04 .08.09