de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 04 Junho , 2008, 19:47
A euforia e a razão

1. Tudo parece preparado. A onda de euforia, agora do Euro 2008, está no ponto-mel para celebrar as vitórias ou chorar as derrotas. Mesmo para os mais racionalistas é um facto a onda que se observa… Naturalmente em excesso, pois o entusiasmo não conhece fronteiras. Quem vê uns minutos de televisão, a publicidade logo anuncia a matriz futebolística… A Suíça, povo metódico e mais introspectivo, onde a selecção está alojada, está acordada e surpreendida com toda a festa antes do título; os jogadores sentem essa pressão e não querem defraudar; das equipas técnicas, mesmo que só se diga que «vamos fazer o melhor», depois do Euro 2004, só se pede o título. Tudo pode acontecer, a estrela da sorte ou o azar que também tiveram connosco os adversários de Portugal em 2004. Das nossas comunidades imigrantes já seria de esperar a euforia e a festa; mas esta cresceu galupantemente, até ao ponto de não retorno. Sem um único jogo e sem qualquer vitória todas as emoções já estão ao rubro a ponto de que todos são bestiais; mas se as coisas não correrem assim tão bem é a queda para o reverso da medalha, da depressão e das bestas. São assim as emoções.
2. Contraditoriamente com a onda da euforia colectiva, nota-se que, desta vez, há mais prudência e maturidade; são mesmo os jogadores a dosearem com a razão (do trabalho) toda a carga de obrigação a que as emoções os impulsionam. Mas um sinal diferente está dado, quer se queira, quer não. As comunidades portuguesas, por esse mundo fora, andam à procura de um símbolo positivo de pertença; esse, é um facto (e mesmo acima de todas as psicologias das emoções), com a selecção de futebol está encontrado. Quem não se lembra do que aconteceu no Euro 2004? É um excesso, é criticável, mas é um facto que vence a própria razão. Está mal? Está bem? Talvez estas sejam questões racionais demais para algo que supera toda a lógica. Ficou-nos aquela frase, inspirada em Agostinho da Silva, em que se diz que «Portugal não se entende pela razão, pois pela razão um povo tão pequeno não poderia construir um tão vasto império, nem poderia, depois de perder a sua independência, recuperá-la e resistir ao mais poderoso monarca da terra, conseguindo, além do mais, o que não conseguiria unido à Espanha: recuperar o Brasil aos Holandeses» (Pedro Calafate).
3. Se toda esta energia emocional for “canalizada” com determinação para as causas comuns, então seja bem-vindo tudo o que mobilizar e der confiança à identidade dos portugueses. Com racionalidade e empenho determinados que impeçam os excessivos baixios, mas projectando de forma inovadora acima da mera razão lógica e prática das coisas práticas. Afinal, equilibrando, há vida para além da razão!

Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 04 Junho , 2008, 12:27
No comício da esquerda, que se realizou ontem, em Lisboa, Manuel Alegre, do PS, afirmou que "a pobreza é uma tragédia, não é uma fatalidade como a direita quer fazer crer, mas um problema estrutural que resulta de um esquema económico".
Com a crise económica a bater a todas as portas, gerando cada vez mais pobres entre nós, muitos deles com vergonha e sem capacidade para se assumirem como carentes do essencial para uma vida digna, não têm faltado organizações de todos os quadrantes, políticos e civis, a clamarem por soluções rápidas que minimizem a situação de pobreza de muitos. Como sempre, neste país de brandos costumes, não falta a solidariedade de bastantes portugueses, mas o mais importante, que é descobrir respostas políticas eficazes, continua na arca das coisas adiadas.
Ontem vi na SIC Notícias um velho revolucionário e idealista, Miguel Tavares Rodrigues, a falar com entusiasmo das suas experiências e dos seus sonhos. Mas também lhe ouvi um chavão conhecido há muito: só o povo é que faz as revoluções. Obviamente, o povo que sofre, que passa fome, que sente a opressão, que vive escravizado, que é espezinhado nos seus direitos, que não vê no sistema económico respostas para os seus dramas.
É certo que vivemos numa democracia estabilizada, mas injusta, que pertencemos à UE, organização que tem por missão sanar ou evitar conflitos, que quer o progresso económico e o bem-estar de todas os europeus. Mas nada nos garante que o século XXI seja um século sem revoluções, sem contestações em massa. Há meses, o general Garcia Leandro denunciou que já tinha sido “convidado para encabeçar um movimento de indignação”, sublinhando que “Os regimes podem renascer. Este regime está gasto.” Dias depois, comentou no meu blogue que queria “apenas alertar com ênfase que é preciso governar com muito mais competência e justiça social.”
Ora a chave da questão está aqui: é mesmo preciso governar melhor e com mais justiça social. Enquanto isto não acontecer, é certo e sabido que paira sobre nós a ameaça, legítima, dos famintos e explorados deste país.

FM

Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 04 Junho , 2008, 11:48

É muito mais que um jogo de palavras. É a distância curta entre a porta de David de hossanas e o Horto do abandono.
É o risco simples que separa os que aclamaram rei e os que - possivelmente os mesmos - preferiram Barrabás. O fio entre o louvor e o vitupério. O estado de alma flutuante entre uma festa intensamente passageira e uma dor friamente prolongada. Um tempo de fartura no Egipto com o Faraó a esbanjar tudo, e o tempo magro com o filho mais novo de Jacob a racionar as migalhas para cada mesa carcomida de olhares esfaimados. Diremos, resignadamente, que é a vida, na sua complexidade de andamentos, ora alegres ora arroxeados de adágios intermináveis em tons menores. Quem sabe medir com precisão a vida?
Estas divisões e fronteiras estão na nossa cabeça e na nossa cultura. A sofreguidão do todo em cada momento, do indivíduo para além da comunidade, do agora contra todos os futuros, da exaustão do bem estar imediato a todo o preço, do relativo anteposto a todos os absolutos, com o individualismo em nome do direito de cada pessoa, do mundo, enfim, para mim voltado como se fora o único, e o instante de prazer como a eternidade comandada por pulsões do agora.
Por isso se torna difícil a gestão da crise, da dor, da construção paciente de edificação invisível, do investimento sem resultados palpáveis, dos gestos significativos apenas quando vistosos. A ascese cristã pode ensinar-nos esta subida à montanha com a esperança a reforçar o coração, o alto a mitigar o cansaço, o tempo no ritmo certo da nossa marcha, conjugada com o caminhar da história, que é como quem diz com o projecto de Deus.
A que vem todo este filosofar breve? Vem à crise que nós vivemos para além das nossas fronteiras porque o jogo desenfreado do negócio, mais conhecido por mercado livre, faz estremecer os alicerces da casa, da saúde, dos transportes, da cultura, da sobrevivência de crianças e idosos. A especulação é o serviço oportunista dos espertos que adivinham a inclinação do barco.Com esta crise algo se deve afundar para que o barco seja salvo. Há pesos de bugigangas inúteis que importa deitar fora. Isso é muito mais importante que colocar a euforia ou a depressão no prato descontrolado da balança do petróleo. Não podemos, neste momento, fechar-nos no nosso casulo. Mas é imperioso reconhecer que muito há a mudar nos nossos hábitos pessoais e comunitários.
António Rego
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Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 04 Junho , 2008, 11:30
A Paz Infantil

1. Corria o ano de 1982 e, na sensibilização crescente para os valores da respeitabilidade humana para com as crianças, a Organização das Nações Unidas instituiu o dia 4 de Junho como o Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão. O mês de Junho, abertura do tempo de verão, convida-nos, assim, ao incentivo da reflexão sobre a preservação da dignidade da pessoa humana a partir idades mais tenras. Como sabemos e pelas notícias que todos os dias vemos (e muito para além delas), tanto que é preciso sensibilizar globalmente pela positiva. Esta dramática realidade da violência infantil exprime-se de forma múltipla, de modo «físico, sexual, psicológico, social, económico, entre outras».
2. A história da violência infantil regista a própria história da dignificação da pessoa humana, em que até ao século XVIII a criança era pouco valorizada e muito desrespeitada, tendo sido vítima quer de trabalhos forçados quer submetida a todo o género de agressões. Neste contexto, é importante destacar que os estudos da psicologia, pedagogia, pediatria e psicanálise realizados no século XIX trouxeram uma nova consciência da autonomia da criança e, por isso, a consequente dignificação daquela que está em fase de aprendizagem do ser. Parece estranho revisitar esta triste história, mas os múltiplos abusos violentos que continuam a ser realizados “hoje”, directa ou indirectamente, assim reclamam esta tomada de consciência de que essa história negra não terminou.
3. Zelar por uma cultura da paz infantil não é só tarefa dos pais. É missão da sociedade em geral (da educação à saúde, dos governantes à comunicação social) e que acaba por nos interpelar sobre o modelo de sociedade futura que queremos. Quando a violência entra pelas televisões, cinema, e já mesmo pelas publicidades dentro; quando os símbolos geracionais apostam numa certa força da libertinagem que esbarra com a liberdade dos outros…destas formas tão informais vai-se gerando uma cultura não pacífica e competitiva até ao rubro, já entre as crianças. Quem dera que todos os dias fossem vividos não «contra» nada, mas sim a favor dos valores e princípios de tal maneira que não houvesse qualquer espaço para a violência. No mundo continuamos muito distantes deste ideal; mas a aposta determinada no acolhimento das diferenças e na cultura da paz, sem dúvida, afirma-se como a tarefa educativa decisiva de todas as gerações.

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