de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 21:42

Embora evitasse temas tão sensíveis nos Estados Unidos como a democracia e a discriminação das mulheres na Igreja ou a pena de morte, por exemplo, há quase unanimidade no reconhecimento do êxito da visita.
Dois objectivos principais moviam o Papa: tentar sarar as feridas profundas na Igreja e no país, causadas pelos abusos sexuais de padres com menores, e a visita à sede das Nações Unidas.
Quanto aos abusos sexuais, logo no voo a caminho de Washington, disse aos jornalistas que sentia “profunda vergonha”. Outra coisa, aliás, não poderia dizer. De facto, trata-se de pelo menos quatro mil padres pedófilos que abusaram de muitos milhares de menores. É repugnante e intolerável, tanto mais quanto a Igreja tem um discurso moral duro e até intolerante sobre a sexualidade. A Igreja perdeu, pois, autoridade moral e muitos crentes sentiram-se abalados na sua confiança.
Em sucessivas intervenções, o Papa referiu o incalculável sofrimento infligido por esses padres e reprovou que a hierarquia tenha “por vezes gerido muito mal” o problema.
Depois, num gesto inesperado, ouviu e conversou com um grupo de vítimas, no sentido de restaurar a esperança.
Para que a hipocrisia acabe e a ignomínia se não repita, é preciso tomar medidas concretas, pois a pedofilia é crime e há incompatibilidade entre o sacerdócio e o abuso sexual de menores. Uma das vítimas dirigiu ao Papa palavras duras: “Disse-lhe que tem um cancro na sua Igreja e que tem de fazer algo para atalhá-lo.” Aliás, há muito que a situação era conhecida – basta ler a obra The Changing Face of the Priesthood, de Donald B. Cozzens, que não é anticlerical. São necessárias mudanças, também ao nível institucional, e uma nova visão dos ministérios na Igreja.
No discurso na sede das Nações Unidas, no sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, defendeu a universalidade dos direitos humanos, sublinhou o seu fundamento e criticou as interpretações relativistas.
Os direitos humanos baseiam-se na “lei natural inscrita no coração do Homem e presente nas diversas culturas e civilizações”, sendo “cada vez mais apresentados como a linguagem comum e o substrato ético das relações internacionais”.
A sua universalidade, indivisibilidade e interdependência são outras tantas “garantias de protecção da dignidade humana.” É “evidente” que “os direitos reconhecidos e expostos na Declaração se aplicam a cada ser humano em virtude da origem comum da pessoa, a qual continua a ser o ponto central do desígnio criador de Deus para o mundo e para a História.” Desligá-los deste contexto “significaria restringir o seu alcance e ceder a uma concepção relativista, segundo a qual o sentido e a interpretação dos direitos poderiam variar e a sua universalidade poderia ser negada em nome das diferentes concepções culturais, políticas, sociais e mesmo religiosas.”
Ora, “a grande variedade de pontos de vista não pode ser motivo para obscurecer que não são só os direitos que são universais, mas igualmente a pessoa humana, sujeito desses direitos.”
A promoção dos direitos humanos na sua indivisibilidade é “a estratégia mais eficaz” para acabar com as desigualdades e reforçar a segurança. De facto, as vítimas da miséria e do desespero tornam-se presas fáceis dos que recorrem à violência e ameaçam a paz.
Depois de sublinhar a necessidade de “um consenso multilateral” na resolução dos problemas do mundo, talvez a novidade do discurso esteja na afirmação do direito de ingerência: todo o Estado tem o dever primário de proteger a dignidade da pessoa humana e os seus direitos, mas, “se os Estados não são capazes de garantir esta protecção, a comunidade internacional deve intervir com os meios jurídicos previstos pela Carta das Nações Unidas e outros instrumentos internacionais.”
É obvio que os direitos humanos devem incluir o direito à liberdade religiosa, que não se pode limitar ao livre exercício do culto, pois deve-se ter na devida conta “a dimensão pública da religião e, portanto, a possibilidade de os crentes contribuírem para a construção da ordem social.”
Anselmo Borges, no DN de sábado
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Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 19:51

A crise do arroz
1. Cerca de metade da população mundial tem no arroz a sua base alimentar. Este mapa cresce tanto mais quando tomamos consciência da acentuação demográfica da Ásia, populações nas quais o arroz se assume quase como uma matriz cultural. A reconfiguração mundial da globalização económica vai-nos trazendo os seus efeitos inevitáveis, e a adaptação aos novos contextos é tarefa sempre difícil. Lembramo-nos de há algumas semanas a crise dos cereais, nomeadamente de trigo, ter despertado as instâncias económicas mundiais para cenários de crise sem precedentes, ou não fosse o trigo da base do pão, o elemento mais básico da alimentação, das mesas humanas.
2. Sem alarmismos, mas na consciência realista do que está a acontecer, vem agora o alerta estatístico da crise no mercado mundial do arroz, tido de «consequências imprevisíveis». O preço tem subido em catadupa, recordes de sempre são batidos. Os níveis de produção são, desproporcionalmente, dos mais baixos desde a década de oitenta. As reservas mundiais estão em risco de colapso histórico, enquanto a procura não para de aumentar. As instâncias dos fundos alimentares e os programas das Nações Unidas da área estão cabalmente em risco... Até mesmo o Banco Mundial vem lançando alertas para os trágicos perigos de problemas sociais para mais de trinta países, onde o arroz tem sido a salvação das gentes.
3. Já se reconhece abertamente que não há arroz para responder às encomendas necessárias. Os países produtores fecham-se nos receios da revolta de suas populações. O grande Brasil suspendeu as exportações, medida com efeitos imediatos; os EUA já têm racionamento à sua venda. América Latina e África, na ausência do arroz agravam a sua crise de fome e instabilidade social. Como sempre, que o diga a negociata global do petróleo, é a oportunidade para os grandes negócios de alguns. A crise tem sempre o reverso da medalha, sendo para uns poucos a oportunidade de enriquecimento na subida astronómica dos preços, como se verifica na Tailândia, o maior exportador mundial de arroz.
4. É o «tsunami silencioso», que já faz da fome a notícia que este século tecnologicamente pródigo vai semeando. Segundo agências de informação, no Vietname os produtores foram proibidos de assinar contratos de exportação a partir de Junho; o Egipto, já desde Outubro, baniu os carregamentos para o exterior; na China, o governo aplicou uma taxa extra de 5% a produtores que pretendam exportar. As medidas restritivas, diante das crescentes incertezas de uma economia mundial comandada pela loucura dos preços do petróleo, vão-se multiplicando. Também se pode juntar a este cenário, não só a nova força dos biocombustíveis mas a chegada dos novos especuladores americanos, que da tragédia dos mercados imobiliários, transitaram agora para as matérias-primas. Novos contextos do ajustamento da globalização económica, mas com novos riscos que fazem temer o pior: a chocante e gritante fome, aqui ao lado, em pleno séc. XXI. Quanto a nós, é proibido esbanjar e estragar comida! Seja um pedacinho de pão!

Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 11:06
O trigo subiu 130 por cento

O problema da escassez de alimentos começa a inquietar o mundo. O tema já foi abordado, com oportunidade, pelo meu colaborador Vítor Amorim, hoje e aqui no meu blogue, mas será sempre bom voltarmos a ele, porque tudo quanto se disser não será demasiado.
Em opinião, na coluna lateral, Ferreira Fernandes, do Diário de Notícias, lembra até que “o estômago vazio é que dá horas às revoluções, não a falta de liberdade”. E é verdade.
O PÚBLICO de hoje dedica umas boas seis páginas ao assunto, porque é importante reflectir com muita seriedade, sob pena de perdermos a carruagem da busca de soluções, que são inadiáveis.
Ao abordar a questão da fúria dos pobres, lembra que ela já está em campo, prenunciando revoluções sociais de consequências imprevisíveis, apoiadas, essencialmente, na falta de pão. Recorde-se, antes de mais, que os preços baixos da alimentação duraram 40 anos e que, de um dia para o outro, as subidas foram simplesmente brutais, segundo o PÚBLICO: o milho aumentou 31 por cento, o arroz 74 por cento, a soja 87 por cento e o trigo 130 por cento.
Paralelamente, os protestos não param: México, Marrocos, Mauritânia, Guiné, Camarões, Senegal, Costa do Marfim, Madagáscar, Moçambique, Etiópia, Haiti, Indonésia, Iémen e Paquistão dão, entre outros países, o tom ao descontentamento. Alguns países já suspenderam as exportações e noutros começaram as restrições à venda de alguns produtos alimentares. Tudo, ao que se diz, por causa do aumento das populações, dos biocombustíveis e do preço petróleo, que não pára de crescer.
FM
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Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 10:26

Afinal, os protestos sempre surtiram efeito. A China já aceitou dialogar com Dalai Lama, o líder espiritual tibetano. No entanto, a imprensa chinesa não desarma e prossegue com os seus ataques, dando pouca importância à oferta do regime de Pequim. Dalai Lama, contudo, já afirmou que quer discussões "sérias" com a China, porque em causa está a liberdade e a defesa da cultura tibetana. Vamos esperar para ver. De qualquer forma, o facto de Pequim acolher os próximos Jogos Olímpicos, já por si pode estar na base deste diálogo. Ainda bem.

Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 07:09
Prova caligráfica de João Simões Amaro, em 9 de Julho de 1930, na escola da Cambeia.
O professor atribuiu-lhe a classificação de Bom. (clicar na foto para ampliar)






TINTEIROS, CANETAS E APAROS

Sentados nas carteiras, dois a dois, três a três ou mesmo quatro a quatro, começávamos por gatafunhar com os lápis de bico mais ou menos rombudo. Falaremos deste e de outros lápis quando nos dedicarmos ao desenho; hoje fiquemos pela escrita no papel... Durante largos meses, os nossos dedos faziam equilíbrios mirabolantes no lápis (por mais que esticássemos o dedo indicador nunca estava na posição correcta! Que martírio...)
Quando, por alturas do Carnaval, passávamos para a letra miudinha do livro de leitura, a nossa Professora mandava-nos comprar uma caneta! No nosso tempo na loja só havia daquelas redondas e coloridas. O primeiro encantamento era pois para os “traços e arabescos” que atravessavam ou corriam ao comprido do nosso novo e mágico instrumento; depois era o aparo a que se chamava “bico”. Quanta arte e feitiço nestes apetrechos metálicos: uns redondos e curvos, outros mais esbranquiçados mas direitos e duros; aguçados estes, largos e achatados aqueles...
Havia situações do arco da velha: quando o dinheiro não chegava para pôr de lado os tostões que custava a caneta e não havia possibilidades de ter acesso a uma por empréstimo ou por herança, o caso levava os pais a fazer a tal caneta... A obra até podia ser prima mas o “sortudo” não achava piada nenhuma, porque fugia da norma e, pior do que isso, quase nunca o bico se segurava direito! Era um tormento!
Não queria afastar-me do assunto... Primeiro dia de escrita com a caneta: nós, os que passámos por ele, ainda nos lembramos dos dedos pintados de azul e dos pingos de tinta que caíam (como?) no papel e inutilizavam todo o trabalho realizado até essa altura; havendo borrata tinha de se repetir tudo desde o princípio!
Em cada carteira, dois tinteiros esperavam sempre de boca aberta que molhássemos os aparos. E muita tinta se gastava! De quando em vez, os alunos da quarta renovavam a reserva nos frascões enormes, desfazendo o anil na água que se ia buscar ao vizinho ou se trazia de casa.
Diga-se, porém, que o uso destas canetas levava as crianças a desenvolverem certo gosto artístico. Como as provas de passagem e de exame tinham uma componente que se chamava “Caligrafia”, era forçoso praticar; se o/a Professor/a tivessem veia, era certo e sabido que os alunos logo aí deixavam marcas de bela e perfeita letra, com finos e cheios, com hastes e barrigas elegantes...
Só mais uma imagem: a escrita nos dias gelados de Inverno! Bem, só de pensar em tal, o computador até se engasgou e, deu-me a impressão, que lágrima furtiva caiu do tinteiro automático... Para quê mais tormentos?!

Manuel


Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 07:02

As comemorações do Bicentenário da abertura da Barra de Aveiro prosseguem. A Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos associa-se à efeméride, com a realização da Mostra do Mar – mostra filatélica subordinada ao tema Mar.
Esta iniciativa realizar-se-á de 2 a 7 de Maio, nas instalações da antiga Capitania do Porto de Aveiro (no centro da cidade).
O carimbo comemorativo será lançado sábado, dia 3 de Maio, pelas 14h00, no local da Exposição.
A partir das 15h30m, realizar-se-ão três palestras subordinadas aos seguintes temas:
- “Os Estaleiros dos Mónicas na história da construção naval na Ria de Aveiro”, pelo Capitão João Batel;
- “História Postal – Correio Marítimo”, pelo Dr. Luís Frazão;
- “Pesca do Bacalhau – uma viagem”, pelo Capitão Marques da Silva.

Aveiro, o Clube dos Galitos, a Secção Filatélica e Numismática e a Comissão das Comemorações do Bicentenário da abertura da Barra aguardam pela vossa visita.

Editado por Fernando Martins | Domingo, 27 Abril , 2008, 07:00

Falta de alimentos e respostas, porquê?

Tanto no dia 27 de Março como no dia 17 de Abril, do corrente ano, tive a oportunidade de partilhar dois textos sobre dois bens que estão a influenciar, cada vez mais, o destino do mundo: o preço do petróleo e a escassez e o aumento dos cereais. Em ambos os casos, procurei transmitir uma ideia que me parece óbvia: o mundo entrou em “roda-livre” e ninguém parece entender-se nele, ou seja, nem nos mercados mais liberalizados e concorrenciais pode valer tudo.
Agora, ninguém assume responsabilidade por nada e quando são tomadas algumas medidas têm, sempre, um carácter pontual e temporário, pelo que a necessária estratégia global e concertada, com líderes capazes de a executarem, está na casa dos sonhos.
Mesmo nas economias de mercado-livre e concorrencial, mais ou menos liberais, tem que haver regras e regulamentos a cumprir, para além dos organismos de supervisão que têm que fiscalizar e regular os próprios mercados.
Parece, no entanto, que alguém se “esqueceu” destes princípios básicos da economia liberal ou neoliberal e, outros, aproveitando esta “amnésia”, trataram de se governar a si mesmos. A criação de redes económicas fortes e impenetráveis, que fogem ao controle de tudo quanto é autoridade, é uma realidade indisfarçável. As margens de especulação tornaram-se a rainha dos negócios e ninguém parece saber quem são os especuladores e por onde anda o dinheiro.
Se tudo isto já era péssimo, as coisas agravaram-se com o preço abrupto dos cereais, em nome da produção dos biocombustíveis. Mas, também aqui, as causas não são pacíficas.
Sendo a alimentação um bem de consumo, sem qualquer equivalência com qualquer outro bem – ou se come ou se morre –, custa a crer como é possível dar mais valor a um biocombustível, para fazer andar um automóvel, do que a uns quilos de milho, para alimentar uma pessoa e ela possa viver.
No passado dia 24 de Abril, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, alertava para os perigos que milhões de pessoas correm, se a falta de alimentos se mantiver. ONU que, por sua vez, necessita de ser reformada, onde os países emergentes terão um novo papel a desempenhar e o poder de veto do Conselho de Segurança tem que ser revisto.
Também, no mesmo dia, era noticiado, no jornal Público, que, nos EUA, um dos mais importantes retalhistas do Grupo Wal-Mart, o Sam´s Club, passou a restringir a venda de arroz, coisa que não acontecia desde a 2ª Guerra Mundial (1939-1945)!
Igualmente, no dia 24, no Parlamento Europeu, vários deputados pronunciaram-se sobre estas questões. No entanto, não surgem respostas credíveis e tudo parece andar ao sabor das circunstâncias de cada momento.
Neste mesmo dia 24, a Agência Ecclesia noticiava que a AEFJN (Rede África-Europa Fé e Justiça) está a desenvolver uma campanha que visa alertar para os riscos da aposta nos biocombustíveis, sobre as populações mais pobres, frisando que a nova política energética europeia pode colocar em causa “o direito à alimentação dos africanos e dos países mais pobres.”
A Rede África-Europa Fé e Justiça foi criada, em 1988, por vários Institutos Religiosos e Missionários, que trabalham na África e na Europa, e pretendem promover a justiça nas relações entre os dois continentes, inspirada na doutrina social da Igreja Católica.
Será tudo isto apenas alarmismo? Se o é, porque é que ninguém parece em condições de dar respostas cabais ou fazer desmentidos, mesmo a nível da ONU?
Hoje, 230.000 portugueses ainda receberam comida, que lhes é fornecida, diariamente, pelo Banco Alimentar Contra a Fome, sendo os idosos os mais vulneráveis.
E, amanhã, como será? Creio que esta resposta, ainda, pode ser dada pelos homens!

Vítor Amorim

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