de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Domingo, 30 Dezembro , 2007, 14:05

DEUS ANDA PELA COZINHA

Há pessoas com uma intuição especial para escolher prendas de Natal para os familiares e amigos. Eu, confesso, tenho algumas dificuldades. Normalmente dou aquilo de que gostei. Sobretudo livros já lidos e que me encantaram. Esse meu hábito já mais do que uma vez foi contestado por familiares, alegando que aquilo de que gosto pode não dizer nada a quem ofereço. Contudo teimo nesse meu comportamento, por não ver outra saída.
Neste Natal, por exemplo, recebi livros que me deliciaram. Já dei uma vista d’olhos a alguns e percebi que os meus familiares e amigos acertaram em cheio. Deles talvez venha a falar ao longo do ano.
Há um, porém, que se lê num fôlego e que me encantou durante a tarde de ontem. Já tinha ouvido falar dele, mas não tinha sentido apetência pela sua aquisição e pela sua leitura. Nem sequer tinha dado conta de que o prefácio, texto fundamental, era do conhecido padre e poeta José Tolentino Mendonça, já de si garantia de um trabalho de qualidade. O meu amigo acertou, portanto.
O livro – A BÍBLIA CONTADA PELOS SABORES – contém receitas de Albano Lourenço na Quinta das Lágrimas, com fotografias, excelentes, de Valter Vinagre (não podia faltar). A ficha técnica diz ainda que a edição é da Assírio e Alvim e que a revisão é de António Lampreia (também vem a calhar).
Da Bíblia, (Antigo Testamento e do Novo Testamento) e da tradição cristã são as receitas de entradas, sopas, peixes, carnes e sobremesas, todas elas de fazer crescer água na boca, para além de serem um desafio à nossa capacidade de as elaborarmos, tendo por tema, numa roda familiar ou de amigos, as propostas culinárias dos tempos de Jesus entre nós e antes d’Ele. E depois d’Ele, está bem de ver.
José Tolentino Mendonça brinda-nos com um prefácio que é uma belíssima lição bíblica, daquelas que se lêem com gosto, com a garantia de que “Deus anda pela cozinha”. Diz o prefaciador, logo nas primeiras linhas: “Literalmente, a Bíblia é para comer. É odorosa, recôndita, vasta como a mesa celeste, íntima como a mesa materna, grata ao paladar, engenhosa, profusa, profícua. Descreve os copiosos bosques profanos e as ofertas alimentares sagradas, recria ascetismos e deleites, conta com a esporádica caça e os pastos cevados, com comidas frugais de viagens e banquetes há muito anunciados. Não é insólito que se olhe atentamente para a cozinha da Bíblia.”
Claro que não vou transcrever todo o prefácio, embora gostasse de o partilhar com os meus leitores. Mas fica aqui, ao menos, um cheirinho do que foi cozinhado para este livro, na Quinta das Lágrimas, lá para as bandas de Coimbra, de tantos encantos, bem à vista no livro.

E já agora, com a devida vénia, deixo uma receita, do mestre Albano Lourenço, que todos podem experimentar:

Guisado de ovelha com lentilhas e uvas
(Antigo Testamento)

1,2 Kg de pá de ovelha
3 cebolas
6 dentes de alho
2 dl de azeite
4 folhas de louro
100 g de lentilhas
200 g de uvas
4 dl de vinho branco

Demolhe as lentilhas. Frite a carne partida em pedaços em azeite e retire. Continue a fritar a cebola e os alhos picados. Refresque com vinho, junte o louro e reduza um pouco. Junte a carne e cubra com água. Deixe cozer mais ou menos 40 m até estar quase cozinhada. Junte as lentilhas, deixe cozer e retire do lume. Junte as uvas cortadas ao meio sem grainhas.

Bom apetite, deseja o

Fernando Martins
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Editado por Fernando Martins | Domingo, 30 Dezembro , 2007, 13:16

O PRÍNCIPE E A ARANHA

Caríssima/o:

Seja então esta a última lenda das terras que fui/fomos percorrendo. Passa-se na Escócia que, se bem nos lembrarmos, foi lá que iniciei esta caminhada.
A versão que me caiu sob os olhos diz assim:

«Num país longínquo, vivia um príncipe que julgava que no mundo havia coisas e animais que não serviam para nada.
Dizia com muito mau humor:
- As moscas servem unicamente para nos incomodarem. As aranhas servem para sujar tudo com as suas sujas teias.
Em certa ocasião, esse príncipe perdeu uma batalha e, perseguido pelos seus inimigos, teve de fugir através de um bosque. Sentiu-se perseguido, dia e noite. Estava já tão cansado que, a determinada altura, pôs-se a dormir junto ao tronco de uma árvore.
Foi acordado por uma forte picadela de uma mosca. Viu que, bem perto dele, estavam os seus perseguidores e correu a refugiar-se numa gruta.
Os seus inimigos aproximaram-se. Olharam para a gruta e um deles disse:
- Aqui dentro não deve estar ninguém.
Um outro perguntou:
- Porque dizes isso?
Replicou-lhe o primeiro:
- Porque a entrada da gruta está coberta por uma grande teia de aranha. Se alguém tivesse entrado, estaria despedaçada.
Ficaram convencidos e afastaram-se.
Foi deste modo que o príncipe se salvou. E, desde então, deixou de pensar que, na natureza, há coisas inúteis. Ficou a saber que até as moscas e as aranhas servem para algo.»
[«Sonhar e desenhar um Mundo melhor» - Manual Infantil, da Acção Católica Rural, pág. 85]

À Ana Maria entrego esta lenda. Por si, descobrirá que Rei é este que, vindo da Escócia, foi Rei de Inglaterra e colocou no seu brasão a teia da aranha!


Feliz e Próspero Ano Novo!


Manuel


Foto de Manuel Olívio

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