de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Dezembro , 2007, 21:36
O REGRESSO DO IRMÃO PRÓDIGO
:
Nas vésperas da noite de consoada fal-ta sempre qualquer coisa mais ou menos importante para a festa da família, as-sociada, há muito, ao nascimento de Jesus. Prendas, sobretudo. Porque não se contava com a visita de um familiar, porque as destinadas ao filho mais velho ou mais novo não se coadunavam, afinal, com os seus desejos ditos em jeito de brincadeira, porque a filha precisava de algo diferente para decorar a sala.
Não cultivo muito o gosto de fazer compras, excepto de livros, mas acompanhei uma familiar pelas lojas mais na moda ou mais agressivas na publicidade aos seus produtos. Essa minha pouca apetência pelas compras não foi fruto de uma qualquer catequese mal alinhavada, que leva à conta de puro consumismo tudo o que diz respeito a dar lembranças em datas marcantes das nossas vidas, mas, sim, a uma inexplicável falta de habilidade. As prendas, no fundo, e em especial as de Natal e Páscoa, são normalmente sinais dos nossos afectos e do nosso amor para quantos nos rodeiam. Por isso, até foi com satisfação que acompanhei, também com a minha opinião, as últimas aquisições para a noite de consoada.
Depois de saltar de loja em loja, no Fórum de Aveiro, calcorreando os três pisos, o terceiro, lá no cimo, sem vendas, para respirarmos um ar mais puro, com bela oferta panorâmica, e feito o grosso das compras, achei, por bem, acomodar-me num banco emoldurado por decorações natalícias, com árvores de natal plastificadas, de cor verde, como que a lembrar que estamos em época com evidentes marcas de alguma esperança para todos, que é justo alimentar, pese embora a crise económica que muitíssimas famílias sofrem na pele e na alma, mormente quando não têm pão para saciar a fome a crianças e idosos.
Caminhando apressadas, numa lufa-lufa de um cansaço escondido pela alegria de apreciar e de comprar tanta coisa bonita, as pessoas nem tempo tinham para se olharem, não fosse dar-se o caso de se cruzarem com algum conhecido que emperrasse a ânsia de procura que a todos animava. Muitos rostos eram-me familiares, de tantos anos vividos por Aveiro. A estranha sensação de que toda a gente me é íntima e a conheço de qualquer lado, sem precisar de onde, trouxe-me a vontade de saudar ou de interromper a marcha de um ou outro transeunte. Contudo, soube manter-me em silêncio, limitando-me a apreciar as pessoas carregadas de sacos multicoloridos de traços originais. Com arte, até. Uns com símbolos natalícios, ligados ao natal cristão, outros ao natal profano, este bem representado pelo Pai Natal de paragens frias e longínquas. Outros, ainda, com manchas abstractas, em que sobressai, o que não é pouco, a beleza da combinação das cores.
A monotonia do meu quedar foi agitada, no entanto, por uma cara enrugada, de olhos azuis, que me não deixou indiferente. Era, no mínimo, e para já, um estranho que me olhava. Cabelo grisalho e ralo, bigode de traço fino, pele ressequida, dentes pintados pelo tabaco travado com sofreguidão, durante muitos anos. Alto e magro, de certa elegância.
De imediato, ouço a sua voz. A mesma de sempre:
– Manuel Fernando?
– Alberto!
– Há tantos anos!
– Nem sei há quantos!
O abraço, bem apertado, deu tempo para recordar o passado do Alberto. Filho de pais empresários. O mais novo dos três filhos. O menino mimado da casa, que a mãe, santa mulher, protegia com excessivo carinho. O pai condescendia. Os irmãos estudaram e cedo souberam encaminhar-se na vida. O Alberto preferia fingir que estudava e levava uma vida flauteada. Mais crescido, dormia de dia e divertia-se de noite. Os irmãos protestavam. Assim não iria a lado nenhum. Assim não teria futuro. Mas ele não ouvia ninguém. Nem queria ouvir. Não tinha nascido para trabalhar, costumava explicar entre amigos. Os pais eram ricos, garantia. Podia dar-se a esses luxos de nada fazer.
Depois a morte brutal dos pais num acidente de automóvel, na pujança da vida empresarial. Tanto trabalho para não gozarem nada, dizia-se na terra.
Os filhos mais velhos, o Carlos e o João, assumiram a liderança das empresas. Tentaram convencer o Alberto a dedicar-se ao trabalho. Se até aí nada fez, agora, então, é que nada queria fazer. O que os pais deixaram daria para tudo. Noites e noites nas discotecas de má fama, com vinho, algumas drogas leves e mulheres, hábeis em sacar dinheiro a quem o tem, fizeram do Alberto um homem sem norte.
Sair da terra natal foi ideia que uma noite lhe ocorreu. Correr mundo, instalar-se na capital da moda e da cultura. Paris, cuja fama e importância, de que tanto ouvira falar e tanto apreciava, foi projecto que começou a bailar-lhe nos horizontes curtos de onde nunca saíra. Quando os irmãos insistiam na urgência de os acompanhar na administração das empresas, dizia com sorriso trocista que não nascera para isso. E numa discussão mais dura, exigiu aos irmãos a partilha dos bens. E cada um que se governasse, gritou certa vez, para que ficasse clara a sua intenção.
Paris seria o seu futuro e um dia, comentava aos amigos, mostraria aos saloios, seus irmãos, como é que se vive a vida, aproveitando tudo o que ela tem para dar, de prazeres, do convívio com gente diferente, no centro da civilização…
Os irmãos bem o alertaram para o perigo da sua opção. Mas a decisão estava tomada. Partilhas feitas, preto no branco no notário, conta grossa no banco, o Alberto nem da família se despediu. Paris foi um corte radical com o passado. Nunca mais voltaria a esta pasmaceira da aldeia em que nasceu. O seu mundo seria um mundo de sonhos cor-de-rosa.
Uns anitos de vida airada e a afogar-se em vícios, explorado por quem calhava, com amigos que se tornaram abutres à espreita de atacar de forma fatal quem tinha dinheiro para tudo, depressa lhe toldaram alguma capacidade de pensar que seria natural possuir. Daí a alinhar com essa gente num negócio da noite foi um ápice. Enreda-se no tráfico de drogas e adormecido pelo vinho passa cheques ao deus-dará. Mulheres desses ambientes escuros fazem-lhe a cama. E de um dia para o outro o Alberto vê-se a contas com dívidas que nem sequer adivinhava. O tribunal decreta a falência do seu negócio. Resta-lhe o apartamento arrendado. Agora sem amigos. E sem amigas. Trabalho? Foi preocupação que nunca teve. Que fazer, então? Talvez um amigo mais próximo o ajudasse. Mas esse amigo nunca apareceu. Vende móveis e diversos bens pessoais por tuta-e-meia, embora valiosos. Não paga a renda. E a rua passa a ser a sua morada.
– E depois?
– Depois arrastei-me pela lama, caindo na miséria extrema. Ainda me convenci de que alguns conhecidos me dariam a mão para qualquer trabalho. Mas não. Fiquei um pobre de pedir. Quando podia, embora envergonhado, recorria a instituições de caridade para comer uma sopa quente. Nas esquinas de ruas movimentadas estendi a mão para o vinho e para o tabaco. Durante meses e meses passei fome. Mas nem assim quis pensar na família distante. As recordações da infância e juventude esgueiraram-se da minha memória. Ao mais pequeno sinal de que elas poderiam bater-me à porta, virava-lhes a cara. Neste Dezembro, frio como todos, notei, num ou outro recanto, que o Natal vinha a caminho. Talvez iniciativas de compatriotas que, no estrangeiro, mais intensamente vivem as festas tradicionais. Num rebate de consciência, entrei na Catedral de Notre-Dame. Há tantos anos que não sentia o silêncio de uma igreja. Há tantos anos que não olhava símbolos religiosos que nos elevam à trans-cendência! E foi aí, onde porventura balbuciei uma oração espontânea que nem sei explicar, que mais serenamente recuei no tempo para contemplar a bondade dos meus pais e dos meus irmãos.
– E então?
– Então, lembrei-me do Natal, do amor vivido no lar paterno, das alegrias partilhadas por familiares e amigos, dos pais queridos que nunca amei como eles mereciam, dos irmãos que tanto me aconselharam a ficar com eles… O regresso à terra começa a dominar-me. E dirigi-me, embora um pouco inseguro, a uma instituição de caridade.
– Estavas decidido…
– Ainda não. Faltava-me coragem para enfrentar os meus irmãos. Mas os dirigentes e funcionários da instituição mantêm comigo conversas prolongadas, durante alguns dias, julgo agora que de preparação psicológica. Apenas com os nomes dos meus irmãos, conseguem o contacto telefónico.
– E um dia…
– Um dia, de repente, passam-me o telefone num gabinete acolhedor. Era o Carlos. Não consegui falar. Mas ouvia bem o que ele dizia, já certamente informado da minha situação. “Tens de vir já neste Natal”, dizia-me o Carlos. E à mais leve tentativa de lhe explicar como estava a viver… “Não precisas de falar; falaremos quando chegares; mas tens de vir; todos te queremos cá”, adiantava o meu irmão. Reconheci-me, nesse momento, como o filho pródigo da Bíblia. Eu era o irmão pródigo à espera do amor dos irmãos.
– E já cá estás…
– Quando cheguei à estação da CP, em Aveiro, os meus olhos encheram-se de lágrimas. Certamente de alegria. Sempre a caminhar, com os meus parcos haveres numa mochila, atravessei a cidade, com a sensação de que tudo estava igual. Mas não. Havia grandes alterações, como reflexo de progresso económico. Não quis tomar o autocarro que me levaria à casa dos meus irmãos. Nem lhes telefonei para que me viessem buscar à estação, como eles tinham recomendado. Preferi a caminhada. Agora pela estrada ladeada de água da nossa ria. Vi salinas abandonadas, vi que os moliceiros e saleiros já não povoavam a nossa laguna. E à tardinha, quando toquei a campainha da casa do Carlos, uma jovem que me abriu a porta gritou: “É ele, é ele; entre, tio Alberto!” E todos, em catadupa, me abraçaram e beijaram. Ainda ensaiei uma qualquer explicação, mas logo o meu irmão me calou: “Vai tomar um banho que a festa vai começar.”

Fernando Martins

Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Dezembro , 2007, 15:43

UM ESTÍMULO PARA CADA UM DE NÓS

Para o EXPRESSO, Isabel Jonet é a figura do ano, pelo seu entusiasmo na liderança do Banco Alimentar Contra a Fome. Todos sabem o que faz aquela instituição, durante todo o ano, no apoio a pessoas e famílias com falta de pão. Isabel Jonet, com a sua capacidade de trabalho e larga visão de reaproveitamento dos produtos alimentares que empresas doam ao Banco Alimentar, tem sido o rosto da verdadeira caridade, o sentimento só próprio das grandes almas.
Fiquei satisfeito quando soube desta distinção, por premiar uma pessoa e uma organização que têm estado ao serviço dos que passam fome. Não apenas na quadra do Natal, como muitos pensam, mas durante todo o ano. Quantas vezes distinguem personalidades criadas pelos que vivem e cultivam um mundo cor-de-rosa, que nada tem de positivo para a sociedade, ignorando os dramas que ela encerra. Mas dar de comer a quem tem fome, numa luta constante para se chegar, cada vez mais, a mais portugueses, sendo sabido que dois milhões de compatriotas nossos não têm o mínimo para sobreviver com dignidade, é bem mais importante. Pelo estímulo de que estes actos se revestem, pela divulgação que se faz do bem que é feito e pelo desafio que nos é lançado, no sentido de construirmos um mundo mais fraterno e mais justo.

FM
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Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Dezembro , 2007, 13:05



À PROCURA DO CALOR!
O NATAL PARADOXAL?

1. Cada vez mais se fala de Natal, cada vez menos se (re)conhece o verdadeiro Natal. Nascido da transformação da adversidade em acolhimento caloroso do “momento” (e)terno de Belém, a quadra comercial emergente foi-nos distanciando da lareira do aconchego natalício autêntico. Uma distância dessa fonte que “nesta noite” grita o apelo de todas as noites do ano, dos anos, da vida. Quem dera que, nesse mundo sonhado de Deus, à altitude da árvores, ao brilho das luzes, à luminosidade das cidades, ao… correspondesse esse calor humano que segreda a esperança de Deus que se faz próximo, aqui, “no-meio-de-nós”!
2. Uma esperança inapagável, diante de tamanha visita de que enobrece e exalta a nossa pequenez. De todas as distâncias infinitas, o Altíssimo faz-se Baixíssimo, o eterno junta-se ao tempo, a história dos homens passa a história de Deus. Ao frio que continua a atravessar o (per)curso humano do mundo e da vida, Deus vem dar calor, amor, ser presença simples para que mais nos (re)conheçamos, no que somos e quanto valemos à Sua luz. Quem não deseja reviver esse “tratado” de Deus-connosco, que faz de cada um de nós o Seu novo presépio!
3. Este é a nossa hora, a hora de Deus-entre-nós! Tudo ganha cor, sentido, calor, aconchego…todos os abrigos, ou sem-abrigos, são visitados e iluminados no Seu Amor. Aos que vivem da ilusão das coisas (e dos 1001 presentes), Ele vem dizer-nos que, de tudo isso, nada tem valor se não houver o calor da paz e o olhar fixo para o que vive na “rua” do frio solitário. Diz-nos que só viveremos e seremos Natal na justa medida em que o preparámos, nesse “endireitar os caminhos” da proximidade com Deus, com os irmãos, com tudo o que somos e realizamos.
4. Seja Natal com NATAL! Venha esse procurado calor do presépio multiplicar infinitamente a dignidade divina que habita cada Ser Humano. Nada substitua o essencial! Nenhum presente exista sem Amor! Nenhuma luz que brilha se esqueça do brilho de Deus! Que todos os doces renovem a esperança na sociedade que somos! Que haja lugar no coração para a visita de Deus, não tenha Ele de nascer novamente na “gruta”! Que também os homens O acolham e lhe dêem esse precioso calor da noite! Que calor, que luz radiante, tudo ganha um sentido novo! Já não há frio, tudo é calor, Deus-Amor!
5. Uma das obras de referência de 2007 foi “A Felicidade Paradoxal”, do sociólogo francês Gilles Lipovetsky, o autor da “Era do Vazio” (1983). Nesse estudo dos comportamentos humanos, o autor analisa a contradição (o paradoxo) das felicidades que se procuram que chocam com a angústia existencial do tempo actual. Esta transforma o hiper-consumo e a férrea publicidade no novo ídolo, na nova ilusão de felicidade. Chegámos à felicidade infeliz? Viveremos um frio Natal paradoxal, já esquecido da sua origem? Venha a ternura do calor!...

Alexandre Cruz

Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Dezembro , 2007, 12:18

LENDA DA SERRA DE MANI-CRICA

Caríssima/o:

Hoje vamos até Meinedo, do concelho de Lousada. As suas gentes continuam a dedicar-se ao cultivo da terra e muitos até desconhecem que [«Durante a ocupação da Península Ibérica pelos Suevos foi criado o primeiro Bispado de que há memória na região do Porto. Desse Bispado dá-nos notícias o II Concílio Bracarense, ocorrido em 572. Na respectiva acta, pode ler-se: "Viator, Magnetensis Eclesiae Episcopus, his gestis subscripsi". Magneto é Meinedo, e o seu primeiro Bispo foi, portanto, Viator.Dada a sua condição de Bispado, não se estranhe a existência de um Mosteiro em Meinedo. Contudo, a Sé cedo seria transferida para o Porto com a chegada dos Godos à Península ...»]
[«O ex- libris da freguesia é a Igreja Matriz que é uma reconstrução no estilo românico de transição que data do século XIII, mas que na sua fase inicial foi Igreja de Mosteiro (provavelmente do século VII).»]

Nesta igreja, [“existe a imagem centenária de Santa Maria Maior, muito bela e imponente. Digna de figurar na lista: “…das Mais Preciosas e Belas Imagens de Nossa Senhora…” Foi modelada e cinzelada em pedra de Ançã, em tamanho natural, com um lindo manto todo talhado com formas graciosas, onduladas, com o Menino Jesus ao colo. Em suma, uma obra de arte românica, para uns do século XII, para outros do século XIV. Esta imagem é também conhecida pela imagem de Nossa Senhora das Neves, de Meinedo, denominação atribuída certamente pela sua grande beleza e brancura que ostenta.”]
Contudo, há quem vá por outro caminho e afirme que

[«A padroeira é Nossa Senhora das Neves. Das Neves porquê? Diz o povo que um dia daqueles de muito calor, ia Agosto em cheio, já ninguém respirava. E era ver como até o gado se deitava exausto a uma qualquer sombra. Pois quando tudo abafava como em forno de cozer o pão, de repente começou a nevar. Ninguém tem dúvidas de que uma vez mais Nossa Senhora acudiu aos seus. Por isso a veneram como Nossa Senhora das Neves.»]



Ora o certo é que ainda hoje

[«Nas terras de Meinedo, conta-se que, ao tempo das guerras da moirama, os escorraçados mouros quase não tiveram tempo de levar o que tinham ao corpo, quanto mais as imensas riquezas em oiro que possuíam em lugares seguros. Talvez pensassem em voltar. O certo é que não voltaram e é por isso que há sítios cheinhos de riquezas. Como aquele no Monte de Mana já junto a Croca (Penafiel). Pois é... o oiro ainda lá está e por isso aqui o povo diz que de “Mana a Crica, muito oiro me lá fica”!»]

E daqui nasce a


[ «LENDA DA SERRA DE MANI-CRICA
No tempo em que os mouros foram expulsos da Península, costumavam esconder em grutas ou sob as cavernas permitidas pelos penedos, os tesouros que não podiam levar consigo.
Assim, nos montes de Mana, já quase de Croca, concelho de Penafiel, consta haver aí muito ouro, deixado na precipitada fuga.
É vulgar ainda ouvir o povo que “de Mana a Crica, monte próximo de Mana, muito ouro me lá fica”.
No entanto, tem havido muitos “carolas” que, munidos de picaretas, têm tentado encontrar o tal tesouro escondido.
As pessoas chegaram mesmo a introduzir na poesia popular uma quadra sobre este tema:
Desencanta-te , ó moura,
da serra de Mani-Crica
que Meinedo quer ser
uma freguesia rica.
(Recolha efectuada em Meinedo) Sítio da Escola EB1 de Sub-Ribas – Meinedo»]

Como facilmente se vê, fiz umas costuras nos tecidos encontrados em várias fontes.
A família da Maria Inês vive o Natal em esperança, sendo ela ainda única a receber todos os mimos. Vamos então pedir ao Deus Menino para que ela encontre o seu “filão”, sem necessidade de picaretas!

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Dezembro , 2007, 12:14



Senhor José

Sou um padre católico, habito numa das regiões mais ocidentais da Lusitânia e, nestes dias, tenho pensado muito em si. Acompanho-o em Belém, da Judeia, onde procura lugar para hospedar Maria, sua noiva, que está prestes a ser Mãe. Percorro consigo os locais onde podia acolher-se: a casa de algum parente, a hospedaria pública, o compar-timento da moradia de alguém residente, o recurso a um barraco qualquer ou a um curral de animais. A necessidade faz a força – diz o povo, dando voz ao silêncio com que o Espírito fala na sua vida.
É verdade, Senhor José! O que mais me impressiona é o seu silêncio exterior. Nem palavra, queixa, gemido ou lamento. Nada. Apenas a persistência corajosa, a busca serena, a confiança expectante. E, no entanto, quantas emoções sentidas, quantas “revoltas” contidas, quantos gritos de alma calados! Nem sequer um desabafo com Maria, sua noiva, que via aproximar-se a “hora” feliz!
O seu modo de proceder, fazendo fé no que dizem os narradores da Infância de Jesus, vosso amado Filho, segundo as leis judaicas, faz-me pensar e causa-me perturbação. Mas que quero eu?! Já foi assim noutras ocasiões, bem dolorosas. E assim vai ser ao longo de toda a vida terrena. O silêncio é a escolha preferida, a única: quando sabe que Maria está grávida, sem terem convivido como cônjuges, quando vê a recusa dos habitantes de Belém, apesar de ser a cidade onde deve recensear-se e tem parentes, ainda que afastados, quando acolhe as visitas dos pastores e dos magos, quando é urgente fugir da fúria de Herodes que tenta matar o Menino, quando pode regressar finalmente à sua terra natal de Nazaré.
Senhor São José, o silêncio é a marca do seu estilo de vida: no trabalho de artesão, no convívio da vizinhança, na ida regular à sinagoga, na subida ao templo de Jerusalém. E no entanto, quantas perturbações o assaltam, quantas preces ao Altíssimo, quantas horas de ponderação, quantos riscos corajosos! E tudo por causa do Menino e sua Mãe, do desejo claro de ser fiel à missão que vos fora confiada pelo enviado do Senhor, vosso Deus.
Tal foi o silêncio que nem a morte lhe deixa palavra. Não se sabe como cessa funções na terra. Nem sequer se regista o facto. Também pouco se diz do modo como entra em cena na vida de Maria, sua noiva, ou vive em Nazaré como artesão. O que se relata, e de forma breve, está sempre relacionado com certos episódios de Jesus e de Maria. De si, completamente nada. Apenas se diz que é homem justo e bom, se narra a intensidade da dor sentida, a ponto de o Céu vir em sua ajuda, a prontidão em cumprir a missão arriscada que se revela urgente.
O seu silêncio, no meu modo de ver, é um arranjo pedagógico para realçar a voz do que brada no deserto e, sobretudo, para fazer ouvir a palavra de Jesus credenciado por Deus Pai: “Este é o meu filho muito amado; escutai-O”.
Obrigado, Senhor José, noivo de Maria. O silêncio da sua vida floresce agora na Igreja na fecundidade de tantas vocações contemplativas, na doação generosa de tantas formas de voluntariado, na disponibilidade de tantos pais e educadores, na paciência heróica de tantos foragidos e perseguidos por causa da justiça.
Aceite o meu reconhecimento mais sincero e dê cumprimentos a Maria, sua noiva, com desejos de que o Menino venha em “boa hora”.


Georgino Rocha.
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