de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 19 Dezembro , 2007, 18:37


Naquele tempo


O Natal, pelas vilas e aldeias do norte da Bairrada e Baixo Vouga, entre as décadas médias do século XX, era vivido no aconchego da família… com pouco de interacção comu-nitária. Quando muito, esta manifestava-se nas celebrações litúrgicas da noite de Natal, em tempo restrito. Melhor explicando, globalmente, naquele tempo… era assim, conforme a memória me vai recordando…
Começadas as novenas do Advento, mais ou menos monótonas e repetitivas – e, por isso, pouco frequentadas - ia-se fazendo, gradu-almente, por párocos e professores do ensino primário, a sensibilização da “pequenada” para a “festa” do Natal. Porém, nada de novo se notava que fizesse supor que ia haver festa, salvo a lembrança deixada pelo senhor prior, alertando para a necessidade de “armar o presépio na igreja”. Nada mais! Mas, como se calcula, esse convite, em zonas onde raramente acontecia algo de diferente, despertava alguma curiosidade. Por isso, marcado o dia e hora, formava-se um pequeno grupo para ir apanhar musgo, plantas secas e outras de tipo ornamental, pedras eventualmente musgosas, etc., de forma que, pelos primeiros dias de Dezembro, tudo estivesse colhido e devidamente guardado, pronto para a “armação”.
E, já com as manhãs e as noites bem frias, num sábado à tarde, sob coordenação das catequistas, o presépio ficava montado, com montes e vales, rebanhos e pastores, lagos e fontes e noras e patos e outras bicharadas… tudo a preceito e numa alusão à diversidade do mundo rural em que se vivia, tendo ao centro, uma sugestiva gruta de aspecto montanhês, na qual se enquadravam as figuras centrais da Natividade – Maria, José e o Menino - com a vaquinha e o burro, por trás da manjedoura, grupos de pastores, pelas encostas, e de anjos, por cima da gruta, enquanto outros grupos de figurantes, nitidamente com ar campestre, se aproximavam do centro em jeito de cantar e dançar, com os reis magos no horizonte do cenário – que se iam aproximando da gruta… Isto é, estava feito o presépio, inaugurado sem cerimónia, o qual concentrava, por cerca de um mês, a adesão dos fiéis, em particular da crianças.
Na noite de Natal, então, sim. Acabados os trabalhos e depois de toda a gente se ter lavado com maior cuidado, juntava-se a família, em sentido mais lato, para um jantar de ambiente e sabor bem diferente do habitual e confraternizar, aguardando-se para tal a indicação da dona da casa que, para essa noite, mais do que nunca, se via convertida em autêntica chefe-cozinheira. Porém, quem presidia à mesa e ao convívio eram os avôs ou, na falta deles, o pai de família. Quanto ao jantar – invariavelmente, bacalhau cozido, batatas e hortaliça – era abundante no essencial da composição, mas não diversificado em ofertas. Se havia frutos secos como aperitivos (nozes, uvas, ameixas, pinhões, figos…), a doçaria era singela, quase sempre na base de abóbora, predominando os bilharacos com canela… eventualmente acompanhados com outra variedade regional (leite creme, aletria, etc), contando com a presença de vinho do Porto. Porém, relativamente ao vinho do jantar, esse era seleccionado, na tradição dos gostos da região da Bairrada ou, então, do Dão.
E o fogo – bem o recordo - crepitava na lareira, nessa noite, com umas brasas mais vivas e irradiando mais calor, pelo que a pouco e pouco, acabado o jantar, todos iam gravitando em torno dela enquanto se queixavam da friagem que, lá fora, cortava os ossos… e aludiam à festividade em curso.
Subitamente, a uma palavra dos mais velhos, todos se preparavam, bem agasalhados, tomando o caminho da igreja para a Missa do galo, celebrada à meia-noite, e, então, festejar, com cânticos religiosos o nascimento de Jesus. Acabada a missa e de regresso a casa, percorriam-se as “fogueiras de Natal” que ardiam nos cruzamentos mais importantes das estradas da freguesia, feitas com especial carinho para “aquecer o Menino” – embora aquecessem mas era os fiéis passeantes. Mas, agora, seguiam cantarolando ao divino e ao profano, noite dentro, com jogos e brincadeiras do tipo do “saltar a fogueira”, muitas vezes acabando com pequenos bailaricos de bairro, como que vivendo no real as sugestões do presépio…
No dia seguinte, para além da missa de Natal, com o “beijar do Menino” – pois é dia santo - mais nada acontecia identificado com a Natividade propriamente dita e… tinha-se cumprido a “festa”. Ah! Prendas? Bem, não era propriamente uma tradição em uso nas freguesias e vilas rurais, mas começou a entrar a pouco e pouco, ao longo da década de 60, quando algumas famílias viram a sua situação melhorada por efeito da emigração para países emergentes da América do Sul ou, mais ricos, os do ocidente europeu, aliando algum desafogo económico e conforto à importação da tradição já por aí arreigada.
Assim, verdadeiramente assinalável, era aquela “noite santa” vivida em amplo convívio familiar e no aconchego de um jantar que, não sendo opíparo em suas iguarias, pelo cheiro da canela e outros condimentos, se mantinha por tempos infindos na memória dos sabores, enquanto os cânticos religiosos e outras toadas de época perduravam na retina dos sons!
E com esta mística simples, como simples tinha sido o espírito franciscano que desenvolveu a ideia da festa popular do presépio, se vivia esse Natal feliz, traduzido na música contagiante do “Alegrem-se os céus e a terra”…!

Amaro Neves, historiador

In Ecclesia

Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 19 Dezembro , 2007, 17:59
Ilhéu, freguesia do Topo

Freguesia do Topo, Calheta

Parque Natural, Calheta

Calheta, vista da doca



NOTA: Fotos gentilmente cedidas pela professora Susana, docente em S. Jorge

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Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 19 Dezembro , 2007, 12:55



Vale a pena voltar à esperança. Tenho alguma dificuldade em chamar-lhe docu-mento papal. Mas é mais que a medi-tação ascética, dissertação teológica ou resto de sebenta duma aula longín-qua. Penso que esta escrita é como uma tenda onde todos nos podemos al-bergar, fatigados de caminhos percor-ridos e temerosos pelos que há a percor-rer. Raramente um documento pontifício tem uma dimensão tão profunda, huma-na, próxima, interessante, sem deixar de ser teológica, ascética, subtil e frater-na. O Papa envolve-se na nossa aven-tura de fé recheada de perguntas mas com uma saída muito para além dos trilhos convencionais da doutrina, e das exortações. Parece que uma plêiade de homens e mulheres, crentes ou não, foi evocada com textos profundos e próximos, mitológicos e reais, divinos e humanos.
Não é tarefa fácil viajar no meio desta espécie de labirinto onde nunca se perde o sentido do homem, da história, da fé e de Deus. Sempre com a espada da palavra no corte certeiro de cada indecisão. Estranhos autores, exemplos raros, citações surpreendentes, poemas, fragmentos de sermões, filósofos, teólogos, ascetas, numa aparente complexidade reservada à leitura de poucos. Mas um texto que merece ser lido por todos mesmo que à primeira se não entenda tudo. Há de permeio chaves da vida, da morte, da fé, tudo por causa duma esperança que ilumina os fios da história que parece em rotura.
Atrevo-me a propor, como desafio e provocação, esta segunda encíclica de Bento XVI como oferta privilegiada de Natal. Acessível no preço, simples na apresentação, leve de transportar, sem exigir embalagem especial. Dá direito a saltar duas, três, dez linhas. E a seu tempo voltar atrás para as compreender e cada qual compreender melhor a vida. E que venham, no Ano novo, comentários, esclarecimentos, críticas, aplicações, retiros, palestras, teses, mestrados. Ninguém fica de fora porque não há nada lá que não diga respeito à vida de cada um de nós. E à morte. É à luz perpétua como estrela de Natal sobre as nossas frontes. Exacto. É uma luz plural. Ninguém possui, só, nem virtude nem pecado. Posso citar um pouco?: “Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço, realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem… A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos não basta perguntarmos: como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança?” (Spe Salvi n.48)
A ler. Sem pressa. E a oferecer.

António Rego

Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 19 Dezembro , 2007, 12:38


Agricultores e pescadores

1. As notícias desta área da sociedade continuam a não ser animadoras. Efectivamente, não conseguimos fazer uma transição saudável e justa de um modelo de sociedade tipicamente agrícola (de onde vimos) para o modelo industrial e de conhecimento tecnológico (para onde caminhamos). Um modelo poderia ser compatível com o outro. Mas, abandonámos as terras e o mar. País de larga costa e de sol quase durante todo o ano, muitos estrangeiros entre nós (estudantes ou não) admiram-se como não conseguimos tirar partido das potencialidades admiráveis que temos nas nossas condições naturais. Os dados de 2007 estão aí: o rendimento líquido da actividade agrícola cai mais de 12 por cento. Não é uma quebra qualquer, é queda em cima de queda estrutural…
2. Mas, no meio de todo este cenário, quem se preocupa com os resistentes agricultores e pescadores? Como sentem os portugueses estas essenciais tarefas do cultivo da terra e das pescas do mar? Que lugar, na sociedade em geral e na visão das políticas, têm (ou não) estes vectores estruturantes de qualquer país, para mais com as potencialidades naturais de que dispomos? Razões existem sempre. Dos dados deste ano, dizem os analistas que a quebra deve-se ao quadro meteorológico desfavorável e aos novos cenários de concorrência internacional que agravam o sector. Sabemos que, se há áreas em que os poderes de decisão estão em Bruxelas, esta é uma delas. Neste quadro europeu-global, cheio de desafios mas também repleto de possibilidades nas culturas e fainas que nos são originais e características, a sensação é que fomos e vamos perdendo a terra e o barco…
3. Das coisas mais sintomáticas de uma triste fuga ilusória à nossa própria génese, é o abandono das terras e o envelhecimento de quase todo o mundo piscatório. Há meses um especialista investigador da área dizia que nós, os portugueses, que não tivemos a Revolução Industrial, adquirimos o automóvel mais tarde e queremos levá-lo para todo o lado, até para baixo da secretária, daí a dificuldade de assumirmos os transportes públicos como parte da vida diária (isto para além das razões da necessária melhor rede de transportes…). Talvez ao abandono das terras, um abandono estrutural a que vão resistindo autênticos novos heróis portugueses, também esteja na ilusão de darmos um salto maior que a perna... Verdade se diga, mesmo nas exigências das concorrências do quadro europeu não é incompatível o desenvolvimento tecnológico com uma necessária visão integrada das nossas potencialidades agrícolas únicas. Mesmo sem as subsidiodependências, a realidade de muitos países europeus o demonstra.
4. O que nos falta? Talvez uma relação pacífica de mentalidade com as nossas terras (afinal, donde provimos). Ou, não estarão também o próprio turismo e as 1001 doçarias e variedades regionais enraizadas na faina agrícola? Mesmo no meio da complexidade destas questões, a costa e o sol portugueses exigiriam mais e melhor, começando por uma visão política consensual. Para quando? Ou os “choques tecnológicos” “escondem-se” das terras e do mar? (Chegaremos um dia a “comer” tecnologias?! Ou compraremos mesmo tudo? Ou ainda, virão os “de fora” produzir na nossa terra as nossas especialidades únicas que o clima permite?) Qualquer coisa de novo nesta área será urgente. Já é tarde!

Alexandre Cruz

Editado por Fernando Martins | Quarta-feira, 19 Dezembro , 2007, 11:42
Uma lenda de Moçambique


A GAZELA E O CARACOL

Caríssima/o:

Por vezes, os contornos das lendas não estão bem definidos e surge a confusão de que é um bom exemplo esta fábula que como tal nos é apresentada!
Ora vejamos:
«Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe: "Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão." O caracol respondeu: "Vem cá no Domingo e verás!"
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes: "Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier."
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram. Quando a gazela chegou, disse: "Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!". O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando: "Caracol!". E havia sempre um caracol que respondia: "Eu sou o caracol." Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.
Comentário do narrador : "Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!".»
A Maria Francisca, que começa a dar os primeiros saltitos na leitura, vai rir às gargalhadas quando perceber que a gazela se deixou ludibriar por um bichito tão pachorrento como é o caracol!
Afinal ele sabia ler!
E que melhor desejo teremos nós, os avós, para os nossos netos: que aprendam a ler bem e depressa para se deliciarem regaladamente com contos, lendas e outras estórias que depois nos contarão.

Manuel

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