O desafio para pensarmos em que mundo vivemos e o que é que nele fazemos que seja determinante e válido, para nós e para os outros, é um desafio que nos afecta e, por vezes, nos incomoda. É mais fácil vivermos de ideias feitas e dados pacificamente adquiridos, que viver com interrogações permanentes, prontos a mudar de rumo, se aquele em que navegamos nos leva a becos sem saída, escolhos inesperados e perigosos, águas mornas e paradas que, para nos iludirem, ainda reflectem o sol do Inverno.
Por mais que se publicite o conforto, a verdade é que, para quem quiser permanecer vivo, responsável e actuante, o conforto e a instalação acabaram. A viagem de uma vida activa faz-se agora sobre a crista da onda e de barco a remos contra a maré. Não dá para os que enjoam com facilidade, nem para aqueles que têm lugar cativo no sofá cómodo da sua sala ou de qualquer outra.
Hoje, tanto os responsáveis políticos como os das grandes instituições que venceram ou julgam ter vencido o tempo, correm o risco de viver num passado que já não existe e de olhos fechados a um presente que se vai construindo à revelia de regras e princípios, aos quais não se reconhece grande cotação. Nivelar a vida com a mesma rasoura é um passo curto e fácil, mas ineficaz e perigoso. Predomina o efeito da mudança imparável
O mundo secularizado defende a sua autonomia e as suas regras e não é mais o mundo dependente da religião ou que se inspira nos seus princípios morais. A Igreja, nos tempos que correm e depois de um concilio ecuménico, não é mais a Igreja da gloriosa cristandade ou a Igreja armadilhada contra as diversas formas de oposição, religiosas ou políticas. A família não é mais a família tradicional em que convivem pais filhos e netos e em que o homem é sempre o detentor único da autoridade, mas a família nuclear e dispersa, com relações internas mais difíceis e poderes repartidos. A escola deixou de ser o espaço normal de educação e transmissão de saber e tornou-se uma instituição que já não se entende a si mesma e de que o Estado se apropriou, como dono único de um brinquedo perigoso, provocando nela mudanças a torto e a direito, à revelia de alunos, pais e professores e surdo ao rumor insistente da opinião pública.
Um mundo diferente exige respostas diferentes, gente com sabedoria, acordada para a realidade e capaz de tomar posição equilibrada e séria, ante os problemas que enfrenta. No que toca à Igreja e aos seus responsáveis, nada de mais urgente. Os redutos de persistente cristandade e os grupos de gente azeda que em tudo vê inimigos, não podem travar uma acção pastoral realista que sabe o que programa, o que faz, qual o sentido das suas decisões e sempre aberta à participação dos seus membros, chamados a pensar o caminho que importa andar e a andá-lo em comum. Muitos planos e programas parece darem pouca atenção às pessoas concretas, hoje tão diferentes nas suas experiências humanas e religiosas, que enfrentam mudanças culturais sérias, assimilam critérios e optam por modelos de vida indiferentes a acções apostólicas correntes, que, não raro, vão pouco além da generosidade dos agentes pastorais tradicionais. No nosso espaço religioso coabitam cristãos esclarecidos, pagãos baptizados, gente de muitas crenças e algumas pertenças, muitos indiferentes. E, por vezes, até visitam o templo e seus anexos ou vão passando pelo adro, ateus e agnósticos satisfeitos consigo próprios. Um mundo plural que deve marcar o rumo de uma acção própria que, por sua natureza, não pode ser indiferente ou inócua. Gente que ainda gravita no espaço religioso experimenta no seu mundo secular formas de participação activa, a que a Igreja não pode ficar alheia.
Ao mesmo tempo, a verdade que se propõe tem de casar com a realidade que se vive, de outro modo aumenta a insignificância do que se é e se propugna. Um mundo complexo é para uma Igreja serva um desafio apaixonante, nunca um convite à alienação. A Igreja sempre teve por vocação enfrentar desafios. É esse o seu caminho.