
Sucede que há algumas semanas atrás começou a não aparecer ou a chegar mais tarde. Não se tratava, como vim a saber, de deambulações existenciais por montes e vales, nem mesmo de acessos místicos, mas antes de razões infelizmente mais prosaicas: ia ao SEF. Rapidamente descobri que se tratava do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E pude compreender que o modo de funcionamento desta instituição nem sempre teria aquela perfeição que nós desejaríamos para um serviço público em área tão sensível como esta. Comprova-se que, se por vezes encontramos funcionários amáveis e colaborantes, desejosos de nos facilitar a vida, outras há em que nos confrontamos com pessoas stressadas e amarguradas pelo amarelo das paredes e os dramas conjugais para os quais quase nunca contribuímos mas de que pagamos as implacáveis consequências. Para ir ao SEF, a Nágila levantava-se antes de o Sol nascer para se deslocar de Alverca até Lisboa, onde, às portas do SEF, se organizava uma fila imensa de pessoas que esperavam cinco e seis horas para serem atendidas. E quem as atendia? Gente zangada com a vida que parecia ter uma especial volúpia em criar dificuldades: incapazes de explicarem tudo o que as pessoas precisavam de levar, incapazes de perceberem que as pessoas que atendiam tinham certas limitações na compreensão dos mecanismos burocráticos portugueses, descobriam sempre mais papéis que faltavam, o que obrigava a recomeçar tão exaltante peregrinação.
Tenho à minha frente o papel que acabou, ao cabo de porfiados esforços, por lhe ser dado e que, num português em que "há menos" se escreve "à menos", se intitula "Renovação de Autorização de Permanência Temporária para Trabalho subordinado", esclarecendo-se, para consolo das nossas almas, que é ao abrigo do art. 217, n.º 1, da Lei 23/207 de 04 de Julho. Que é preciso? Um passaporte válido, um comprovativo das condições de alojamento (contrato ou atestado da Junta de Freguesia), declaração do IRS e cópia da nota de liquidação relativa ao ano fiscal anterior, contrato de trabalho e declaração actualizada da entidade patronal a atestar o vínculo laboral, declaração da Segurança Social regularizada a confirmar os descontos efectuados, requerimento em impresso de modelo próprio (www.sef.pt) e duas fotografias. Com todas estas tarefas, por sucessivos dias, a Nágila deixou de aparecer. Andava por Alverca e Lisboa à procura de papéis - belo ideal de vida. Única vantagem: aprimorei a minha capacidade de fazer camas. E vou melhorando noutras tarefas domésticas.
:
In PÚBLICO de hoje