de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Domingo, 01 Julho , 2007, 13:15

O CASTELO DA LOUSÃ E A RIBEIRA


Caríssima/o:


Lá voltámos passados quarenta anos e só então me apercebi do peso do grupo dos lousanenses: é que o passeio anual do nosso Curso foi ao Castelo da Lousã. Isso mesmo: de Coimbra à Lousã, e isto contando com a ajuda imprescindível desse tal grupo. [Esta coisa de viagens de fim de curso a Espanha e outras paragens, bem, temos dito!]
Permiti que regresse à Lousã para um abraço muito especial ao António Maio e à Olga que, na sua Casa do Pinheiro, experimentam profunda vivência matrimonial, salmodiando a promessa um dia feita para os bons momentos e para os menos bons ...
E então diz a lenda:

«Há muitas centenas de páginas em torno da lenda do castelo de Arouce ou, se quisermos, do castelo da Lousã. As mais delas são páginas eruditas tentando aproximar-se de uma narrativa popular. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, por exemplo há um documento que contém a lenda da fundação deste castelo. Ligeiramente modernizado o texto antigo de Frei António Brandão, sigamo-lo:
Dizem que el-rei Arouce determinado em ir pessoalmente, e passar a África pedir socorro (ou fosse a Cartago com quem teria aliança e amizade, ou outro reino) contra seus inimigos, que via estar de assento, e cobrar seu reino, que fortificou e proveu o melhor que pôde o castelo que tinha edificado quase nas entranhas e coração de umas serras, entre vastíssimos e cerrados arvoredos, e que com muito segredo meteu nele a Princesa Peralta, sua filha, com outra gente escolhida de sua casa, e com muita parte de seus tesouros, lançando fama de seu caminho, fingindo levar consigo sua filha, parecendo-lhe ficava nele bem segura, visto que os inimigos não procuravam entrar pela terra dentro, e contentarem-se com o do mar, assim por no castelo ser forte, respeito daqueles tempos, e metido no mais escondido da serra, e fechado com tantos bosques, como também por estar quase feito ilha, cercado de uma ribeira muito fresca, a qual também como o dito castelo do nome do dito Rei se chamou depois a ribeira de Arunce, e agora de Arouce. E querem dizer que para maior segurança de seus receios e temores de deixar assim ali sua filha e tesouros e com eles o coração, fez encantar o dito castelo com todos os tesouros que nele deixou, fora do que deixou à Princesa, sua filha para seu gasto, e dos que devia de levar, os quais algum dia os achará quem tiver essa dita. E com isso se partiu el-rei Arunce em demanda de sua pretensão; e bem se pode cuidar qual iria. Mas dele não tratarei por ora, por vos contar da Princesa sua filha, a qual ficou com tantas saudades, e com tantas lágrimas, e com muitos roncos com o íntimo da sua desconsolação...
Não há muito tempo, um historiador local explicava ter sido o velho Miguel Leitão de Andrade o primeiro a contar a embrulhada (também esta!) lenda envolvendo o rei Arouce, saindo derrotado de Conímbriga – que hoje é Condeixa-a-Velha -, e veio meter nesta pequena fortaleza sua filha, a bela Peralta e os seus haveres. E, despachado isto, regressou às batalhas. Ora em Évora vivia Sertório que projectava dar o golpe do baú à princesa Peralta. Nesse sentido mandou um homem chamado Estela a Arouce. E este, em vez disso, terá namorado a princesa...
E reza a lenda, esta ou outra que com ela se cruza, que a princesa Peralta acabou por abandonar aquele seguro castelo, transformando-se “em ribeiro de muito caudal e de muita água, pelo que, como princesa, o ficasse sendo também das outras ribeiras”...
[V.M., pg. 129]

Creio também que não ficará mal lembrar os «azeiteiros», muitos oriundos dessa região e que durante muitos e muitos anos percorreram as nossas estradas e os nossos caminhos. Quem se lembrará hoje desses homens que vendiam os azeites e vinagres ao quartilho? E dos seus carros adaptados para essa função?... Figuras quase lendárias!...

Manuel

Editado por Fernando Martins | Domingo, 01 Julho , 2007, 13:10

O HOMEM:
CRIADO À IMAGEM DE DEUS?


Parece estender-se cada vez mais a tentação de pensar que o Homem é um animal entre outros. Se diferença houvesse, não seria essencial e qualitativa, mas apenas de grau.
Mas quem anda atento reconhecerá com certeza que a diferença entre o Homem e os outros animais não é apenas de grau, mas essencial e qualitativa. Pelo menos, é preciso manter a pergunta
Também o Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz eu. Ora, um corpo que produz sons duplamente articulados, portanto, transportando sentido, é um corpo que transcende a animalidade.
Que o Homem não fica submerso na instintividade da vida prova-o o facto de, por exemplo, ao contrário do animal, no domínio da sexualidade, ser capaz de pesar razões, abster- -se, pensar no que é melhor para si e para o parceiro, ter inventado o erotismo e também a pornografia, procurar técnicas anticonceptivas. Aí está a liberdade, a moralidade e, consequentemente, a responsabilidade. Pelo menos até certo ponto, o Homem é senhor de si e dos seus actos.
O Homem é capaz de renunciar à satisfação imediata dos seus impulsos: é "o asceta da vida", escreveu Max Scheler. Por isso, é capaz de jejuar e ergueu, por exemplo, um edifício jurídico-penal, para evitar a vingança cega, dirimir diferendos, não fazer justiça pelas próprias mãos.
Quando vemos um animal sentado, de olhos fechados, com a cabeça entre as mãos ou encostada à mão direita, estamos em presença de um Homem que medita. Está ensimesmado, entrou dentro de si próprio, desceu à sua intimidade, submerso na sua subjectividade pessoal.
Não vivo longe de um aeroporto, e reparo, quando passeio pela praia, como os cães vadios da zona se põem a correr na areia, atrás das sombras dos aviões que se apressam para a pista. Cá está: o animal vive da imediatidade dos instintos e o mundo para ele é fundamentalmente um conjunto de estímulos, que atraem ou repelem. O Homem, ao contrário, dada a sua capacidade de distanciação, vive no real: é um "animal de realidades", repetia Zubiri.
O Homem "começou a ser Homem intentando criar beleza", escreveu o filósofo Pedro Laín Entralgo. O Homem não vive amarrado e encerrado na satisfação das suas necessidades vitais. Ele transcende o simplesmente biológico, criando cultura. E vive do gratuito: cria e contempla a beleza, pois é o ser "criativamente possuído pelo fascinante esplendor do inútil" (G. Steiner). Para sobreviver, não precisava de investigar na mecânica quântica. O que ganha no tempo dedicado aos mortos? No entanto, o tempo que gastamos inutilmente com os mortos!...
Os animais também comunicam. Mas nunca um animal fez perguntas. O Homem é o animal que pergunta. E perguntar coloca-nos na perplexidade, pois implica ao mesmo tempo saber e não saber. Se perguntamos é porque não sabemos, mas sobre aquilo de que nada sabemos não perguntamos. Afinal, o que sabemos, quando perguntamos? Na pergunta, o que se mostra é o imostrável. No perguntar, o Homem revela que é o ser do intervalo - entre o finito e o infinito - e que está ligado ao Transcendente, pelo menos como questão.
O Homem é um ser paradoxal. Somos bípedes sanguinários, capazes de sadismo feroz. Inventamos máquinas de guerra brutal e instrumentos de tortura indizível. Pilhamos, massacramos, somos de uma ganância ilimitada, de uma vulgaridade ridícula, de um materialismo rasteiro. No entanto, como escreveu o agnóstico George Steiner, "este mamífero desgraçado e perigoso gerou três ocupações, vícios ou jogos de uma dignidade completamente transcendente. São eles a música, a matemática e o pensamento especulativo (no qual incluo a poesia, cuja melhor definição será música do pensamento). Radiantemente inúteis, estas três actividades são exclusivas dos homens e das mulheres e aproximam-se tanto quanto algo se pode aproximar da intuição metafórica de que fomos realmente criados à imagem de Deus".
É por isso que, apesar dos avanços das ciências humanas, da genética, das neurociências, que devem ser maximamente promovidos, permanecerá, íntegra, a pergunta: o que é o Homem?
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