Há um passo célebre da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant, sobre o "comerciante avisado", para mostrar o que é realmente moral. O comerciante avisado e prudente não engana os seus clientes, pois a honestidade é necessária para o bom andamento do negócio. Ele age de modo conforme ao dever - não enganar os clientes -, mas isso não significa que aja moralmente. A acção só é moral, se agir por dever e não com uma intenção egoísta, isto é, porque o seu lucro o exige.
Em A República, Platão apresenta o famoso anel de Giges, que, colocado numa certa posição, tornava o seu possuidor invisível. Com o anel e os seus poderes mágicos de invisibilidade, Giges, que era um homem honesto, entregou-se a uma série de crimes. Colocado nesta situação de poder tornar-se invisível, pode alguém fazer o teste da sua moralidade, verificando que só é verdadeiramente moral quem, mesmo invisível, continuasse a agir por dever e não por interesse ou por medo do juízo dos outros.
À pergunta em epígrafe, que constitui também o título de uma obra de André Comte-Sponville, o conceituado filósofo responde: "Não. O capitalismo não é moral, mas também não é imoral; é - total, radical, definitivamente - amoral." Assim, por exemplo, aos protestos compreensíveis de quem se revolta porque o preço de determinado produto está acima do que a decência pode tolerar, observa: "A decência, que eu saiba, não é uma noção económica."
Para perguntas e respostas correctas, é necessário distinguir as ordens, os níveis ou domínios.
A primeira ordem é a ordem tecnocientífica - no caso da economia, a ordem económico-tecnocientífica -, estruturada, interior- mente, pela oposição do possível e do impossível. Esta fronteira interna entre o possível e o impossível é incapaz de limitar a ordem tecno-científica, porque se desloca constantemente: pense-se no que era antes impossível e hoje possível no domínio da biologia e do progresso tecnológico em geral. Mas precisamente estas novas possibilidades e suas consequências - manipulações genéticas, poluição...; no caso da economia, as variações do mercado... - podem pôr em causa o futuro da Humanidade ou afectar dramaticamente a vida de milhões de pessoas.
Assim, uma vez que esta ordem é incapaz de limitar-se a si mesma - não há limite biológico para a biologia, limite económico para a economia, etc. -, é preciso limitá-la do exterior, com a ordem jurí- dico-política, a lei, o Estado, ordem estruturada interiormente pela oposição do legal e do ilegal.
O legal pode, porém, não respeitar a dignidade humana: pense-se na legalização do esclavagismo ou do racismo. Não se vota o bem e o mal: "O indivíduo tem mais deveres do que o cidadão." Assim, a ordem jurídico-política é limitada do exterior pela natureza e pela razão, pela ordem moral (o dever, o interdito). Quer dizer, há o pré-jurídico e pré-político.
Por último, a ordem moral é "completada", abrindo-se ao divino, que é a ordem do amor e da gratuidade.
O capitalismo é, pois, amoral. Não funciona pela virtude nem pelo desinteresse ou pela generosidade, mas pelo interesse pessoal ou familiar, pelo egoísmo. Se funciona bem, é precisamente porque egoísmo é coisa que não falta, mas, também por isso, não basta. O mercado, que mostrou ser o sistema mais eficaz, não tem a capacidade de regulação socialmente aceitável e a moral também não consegue.
Então? "Entre o poder cego da economia e a fraqueza da moral, só a política e o direito nos permitem fixar limites não-mercantis ao mercado, regulá-lo, a fim de que os valores morais dos indivíduos dominem, pelo menos em parte, a realidade amoral da economia. O problema, hoje, é que se cavou um desfasamento entre a escala mundial dos problemas económicos e a escala nacional dos nossos meios de acção sobre esses problemas." É aqui que se mostra a urgência de uma política mundial, o que implica compromissos entre Estados, para que o capitalismo seja limitado nos seus efeitos perversos e dramáticos. "Quanto mais lúcido se é quanto à força da economia e à fraqueza da moral mais exigente se deve ser quanto ao direito e à política."