Depois dessa data, nos aposentos que lhe destinaram, no Seminário onde fora aluno e reitor, aí continuou a sua caminhada de cristão como nós e de Bispo para nós. Não só rezando e meditando, mas também lendo e escrevendo, aproveitando inúmeros apontamentos e registos que guardou ao longo da sua vida de seminarista, presbítero e bispo, partilhando com os seus leitores vivências, testemunhos, impressões, emoções e saberes, na perspectiva de um apostolado consciente e responsável.
D. Manuel entrou em Aveiro precisamente na época conciliar (Vaticano II), tendo participado nos seus trabalhos, ainda antes de ser ordenado bispo. Por isso, D. Manuel esteve perfeitamente identificado com a renovação da Igreja proposta pelo concílio, por muitos considerado o fulcro da maior revolução eclesial do século XX.
Porém, se foi importante esse facto, de que veio a beneficiar toda a vida da Igreja Aveirense, pessoalmente atrevo-me a recordar, hoje, tão-só o bispo que me marcou pelo seu trato simples e afável, o teólogo que me fez pensar nos mistérios e na grandeza de Deus, o homem que era capaz, sem qualquer dificuldade, de falar com a criança ingénua e com o idoso carente de ternura e de compreensão. Ainda com o culto e com o inculto, seguindo o princípio de que é mais importante ouvir do que falar. Lembro também que era pessoa atenta à sua obrigação de concluir qualquer conversa com um conselho oportuno, com uma admoestação fraterna, com um preceito evangélico pertinente.
D. Manuel, que algumas vezes me segredou ser cristão connosco e bispo para nós, parafraseando Santo Agostinho, manteve, com muita simplicidade, uma postura humilde, a par de um sentido de fraternidade evangélica muito grande. Teólogo atento aos ventos da história, aberto às preocupações e anseios das pessoas, das quais se considerava igual, manifestava a todo o momento, com terna naturalidade, a missão profética de que estava investido, que o levava a intervir, na praça pública, com determinação, enfrentando poderes que ousaram menosprezar o estatuto e os valores da Igreja, que sentia ser sua obrigação defender, quer como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, quer como bispo e como cidadão, posição de que nunca abdicou.
Homem de proximidade, encantava quantos com ele se relacionavam, e nas visitas pastorais procurava usar uma linguagem que fosse compreendida por todos, letrados ou analfabetos, jovens e menos jovens.
Um dia escrevi um texto sobre o seu livro “Memórias de um Bispo”, obra repleta de vivências e de testemunhos, de pessoas e acontecimentos, que retrata uma vida cheia de amor a Deus e aos homens seus irmãos. Recomendei-o para leitura “obrigatória” de férias. D. Manuel teve então a gentileza de me endereçar um cartão simpático, com considerações elogiosas, que eu estava longe de esperar e de merecer. “… De todas as recensões a sua foi uma das que mais gostei. Apanhou-me todo! … Aqui lhe deixo um abraço de sincero agradecimento e também de louvor por ter apanhado a alma do livro.”
D. Manuel era assim.
Partiu agora para a Casa do Pai, ao fim de uma vida longa e cheia de Jesus Cristo. Uma vida que deu vida à Igreja Aveirense. Uma vida que nos legou a todos marcas indeléveis de paz e bem, da Graça de Deus e do sentido apostólico.
Que Deus o acolha no seu seio, com muita ternura…
6 de Agosto
Fernando Martins