Uma lenda russa, recuperada da memória do tempo, narra o percurso de um quarto rei mago que demanda o Recém-nascido em Belém. A sua narrativa afirma que os magos eram quatro e não apenas três.
Melchior, Gaspar e Baltasar são nomes postos pelo Papa S. Leão a estes três conhecidos cujos restos mortais são levados para Colónia, no século XII, por ordem do imperador Frederico Barba Roxa. A essa cidade alemã, acorrem então muitos peregrinos, facto que está na origem da construção de um dos monumentos góticos mais célebres na Europa – a célebre catedral.
Do quarto, somente a lenda russa lembra alguns episódios. Não tem nome nem terra. Ninguém sabe o que faz ou o que diz ao longo do caminho. Apenas consta a dura viagem no seu jumento envelhecido e cansado. Apenas se sabe que no seu alforge leva um pote pequeno de vinho e outro de azeite.
A marcha é lenta, o percurso difícil. O rei lança o olhar por tudo quanto pode ver. Sempre que encontra desolação ou miséria, pára e socorre os aflitos conforme as suas magras posses.
Quando chega a Jerusalém, já tudo o que é conhecido tinha ocorrido: A conversa com Herodes; a assembleia dos sábios conselheiros; a deslocação e o reaparecimento da estrela; a saída precipitada dos outros reis magos que nem sequer deixaram rasto. Apesar de tudo, não desiste e sozinho continua a seguir o que lhe pede o coração. Com muito esforço, consegue chegar a Belém, terra desolada onde reina grande alvoroço e dor. José havia tomado o Menino e sua Mãe, fugindo para o Egipto.
Sem encontrar aquele que procura com tanta persistência – pois mais uma vez tinha chegado tarde –, apenas dá conta do pranto das pessoas e das chagas de tantas mães que lutaram incansavelmente para defender os seus filhinhos perante a fúria assassina dos soldados de Herodes. E então, fica em Belém a dar consolação, a fazer curativos, a prestar socorro. Quando retoma a viagem para o Egipto é já muito tarde.
Ele pressentia que não acompanhava o ritmo dos acontecimentos, mas o seu coração seguia outro relógio – o da compaixão para com os desolados, o da vida dos proscritos e excluídos. A família de Jesus havia partido para Nazaré, evitando cidades sob a alçada dos descendentes de Herodes, perigosos como ele.
E diz a lenda que o quarto rei continuou o seu peregrinar, alimentou a sua esperança confiante e, passados uns anos, vem a descobrir Jesus no Calvário, agonizando entre dois malfeitores. Ajoelhado e contrito, implora do Senhor perdão por nunca se ter encontrado com ele na vida, por ter saído dos “caminhos” normais prescritos pelas leis judaicas, por ter ouvido mais o coração do que a razão. Enquanto assim rezava, escuta a doce voz de Jesus prestes a “apagar-se”: Os teus atrasos no tempo são fruto de um amor generoso e não da tua comodidade. O culto que me apraz é a misericórdia e não o sacrifício. Quando socorrias quem estava em necessidade, era a mim que tu servias e não ao teu egoísmo, interesse ou vaidade. “Amigo, hoje estarás comigo no paraíso”.
Georgino Rocha
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