de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Domingo, 23 Maio , 2010, 15:47

 

PELO QUINTAL ALÉM – 22

 

 

                                     

A URTIGA

 

A

ti Terrinca

 

 

                                                            

Caríssima/o:

 

a. A urtiga é uma planta mal-amada.

E perguntarás a razão desta minha afirmação.

Claro que já enxuguei lágrimas abundantes e sinceras da face de mais de um neto, que as urtigas não perdoam e a dor é intensa e irritante.

Planta indesejada, nasce nos sítios mais incríveis do quintal e onde menos nos agradaria encontrá-las.

 

e. Por terras da Gafanha talvez a urtiga seja das ervas mais vulgares e que mais pragas  arranca dos lábios dos lavradores que porfiam.

Alguns terão feito a «experiência» de Esopo, sim aquele que viveu entre o ano de 640 ao de 560 antes da era cristã?

Dizia ele que: «Uma criança foi ferida por uma urtiga. Correu para a sua mãe e disse: - Urtigou-me fortemente, mas eu só a toquei levemente.

Por isso te urtigou disse a mãe, da próxima vez que te aproximes de uma planta dessas, agarra-a com força, sem carícias, e então será tão suave como seda, e não te maltratará novamente..

MORAL : - "Ao insolente, ao desrespeitoso, ou delinquente, deve demonstrar sempre que a autoridade prevalece sobre ele!"»

 

A minha experiência foi diferente e o encontro também inesperado: comprei, no ano de 1960, curiosamente no dia 25 de Abril, na Feira de Março, os cinco volumes de Os Miseráveis, de Vítor Hugo. Imaginai o meu espanto ao deparar, na página 185, com estas palavras:

“Num dia contemplava uma porção de gente ocupada em arrancar urtigas de um campo; olhou para o montão de plantas já arrancadas e secas, e disse:

- Estão inutilizadas. Não obstante, seriam aproveitáveis se soubessem servir-se delas. Quando a urtiga é nova, a sua folha é um legume excelente; depois de velha, tem filamentos e fibras como o cânhamo e o linho. O  tecido de urtiga vale bem o de linho. Migada, a urtiga é excelente para a criação; moída é boa para o gado vacum.  A baga da urtiga misturada com a forragem torna lustroso o pêlo dos animais; a raiz misturada com sal produz excelente cor amarela. No fim de tudo é muito bom feno, que pode ceifar-se duas vezes. E o que exige a urtiga? Pouca terra, nenhum cuidado e menos cultura ainda. Somente a baga é difícil de colher, por isso que cai à medida que vai amadurecendo; e eis aqui tudo. Com algum trabalho tornar-se-ia útil a urtiga: desprezam-na, torna-se nociva, e então destroem-na. Quantos homens se assemelham à urtiga!

E depois de certo silêncio acrescentou:

- Meus amigos, não se esqueçam nunca de que não há nem más plantas, nem maus homens. O que há são maus cultivadores.”

 

 

i.  A urtiga é uma planta comum, que no passado foi utilizada pela indústria têxtil. Usada também como planta medicinal e como alimento. O seu uso na indústria têxtil, foi abandonado no princípio do século XX. Hoje a urtiga é utilizada como planta medicinal, comestível e fonte de clorofila.

Contudo, nas nossas terras, a urtiga sempre foi olhada como planta desprezível que, quando muito, se lançava, no galinheiro,  para desfastio da criação.

 

o.”A urtiga  é indicada em dietas que exigem redução de sal.

 Auxilia na prevenção de resfriados e inflamações da garganta, contribuindo ainda para o bom funcionamento do fígado, vesícula biliar e intestinos. Actua como hemostática, diurética e depurativa, razão pela qual é utilizada no tratamento da artrite, gota, furunculose, úlceras, sarampo, hemorróidas, asma, diarreias, coqueluche, no retardamento da hipertrofia da próstata, etc..

Externamente utiliza-se nos casos de quedas de cabelo e caspas.”

 

O que aí fica parece um exagero; no entanto, mais se poderia acrescentar, mas certamente será suficiente para ir fazendo surgir algumas fortes interrogações.

 

u. E citemos ainda dois escritores que se terão situado na área da urtiga:

 

«Segundo as próprias palavras do  poeta escocês Thomas Campbell - que          viveu nos fins do século XVIII, princípios do XIX: "na Escócia, comi urtigas, dormi em lençóis de urtigas, e jantei sobre uma toalha de urtigas.

Quando ainda é nova e tenra, a urtiga é um legume excelente... e lembro-me que a minha mãe dizia que, na sua opinião, os fatos de urtiga eram bastante mais resistentes do que os de linho". »

«Também o escritor dinamarquês Christian Andersen, que viveu no século XIX, refere no seu conto "A princesa e os sete cisnes" que são feitos de urtiga os mantos que a princesa tece para libertar os irmãos do feitiço da madrasta.»

 

Nos nossos dias, o Município de Fornos de Algodres e a Confraria da Urtiga organizam o Fim-de-Semana da Urtiga, estando previstas inúmeras iniciativas (exposições, oficinas, espectáculos, workshops, refeições temáticas, “Jornadas de Etnobotânica”, …); iniciativas que procuram valorizar um dos produtos naturais que, embora simples e por vezes menosprezado pelas pessoas, pode ter grande importância na gastronomia regional: a urtiga.

Uma das ementas especiais constava de Sopa de Urtiga

Mistura Regional c/ Arroz de Feijão c/ Urtiga

Arroz Doce de Urtiga.

 

Por fim, parece-me  que é «caso para repensar as verdadeiras intenções de quem nos manda “ir às urtigas”».

 

Manuel  

 


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