PELO QUINTAL ALÉM – 22
A URTIGA
A
ti Terrinca
Caríssima/o:
a. A urtiga é uma planta mal-amada.
E perguntarás a razão desta minha afirmação.
Claro que já enxuguei lágrimas abundantes e sinceras da face de mais de um neto, que as urtigas não perdoam e a dor é intensa e irritante.
Planta indesejada, nasce nos sítios mais incríveis do quintal e onde menos nos agradaria encontrá-las.
e. Por terras da Gafanha talvez a urtiga seja das ervas mais vulgares e que mais pragas arranca dos lábios dos lavradores que porfiam.
Alguns terão feito a «experiência» de Esopo, sim aquele que viveu entre o ano de 640 ao de 560 antes da era cristã?
Dizia ele que: «Uma criança foi ferida por uma urtiga. Correu para a sua mãe e disse: - Urtigou-me fortemente, mas eu só a toquei levemente.
Por isso te urtigou disse a mãe, da próxima vez que te aproximes de uma planta dessas, agarra-a com força, sem carícias, e então será tão suave como seda, e não te maltratará novamente..
MORAL : - "Ao insolente, ao desrespeitoso, ou delinquente, deve demonstrar sempre que a autoridade prevalece sobre ele!"»
A minha experiência foi diferente e o encontro também inesperado: comprei, no ano de 1960, curiosamente no dia 25 de Abril, na Feira de Março, os cinco volumes de Os Miseráveis, de Vítor Hugo. Imaginai o meu espanto ao deparar, na página 185, com estas palavras:
“Num dia contemplava uma porção de gente ocupada em arrancar urtigas de um campo; olhou para o montão de plantas já arrancadas e secas, e disse:
- Estão inutilizadas. Não obstante, seriam aproveitáveis se soubessem servir-se delas. Quando a urtiga é nova, a sua folha é um legume excelente; depois de velha, tem filamentos e fibras como o cânhamo e o linho. O tecido de urtiga vale bem o de linho. Migada, a urtiga é excelente para a criação; moída é boa para o gado vacum. A baga da urtiga misturada com a forragem torna lustroso o pêlo dos animais; a raiz misturada com sal produz excelente cor amarela. No fim de tudo é muito bom feno, que pode ceifar-se duas vezes. E o que exige a urtiga? Pouca terra, nenhum cuidado e menos cultura ainda. Somente a baga é difícil de colher, por isso que cai à medida que vai amadurecendo; e eis aqui tudo. Com algum trabalho tornar-se-ia útil a urtiga: desprezam-na, torna-se nociva, e então destroem-na. Quantos homens se assemelham à urtiga!
E depois de certo silêncio acrescentou:
- Meus amigos, não se esqueçam nunca de que não há nem más plantas, nem maus homens. O que há são maus cultivadores.”
i. A urtiga é uma planta comum, que no passado foi utilizada pela indústria têxtil. Usada também como planta medicinal e como alimento. O seu uso na indústria têxtil, foi abandonado no princípio do século XX. Hoje a urtiga é utilizada como planta medicinal, comestível e fonte de clorofila.
Contudo, nas nossas terras, a urtiga sempre foi olhada como planta desprezível que, quando muito, se lançava, no galinheiro, para desfastio da criação.
o.”A urtiga é indicada em dietas que exigem redução de sal.
Auxilia na prevenção de resfriados e inflamações da garganta, contribuindo ainda para o bom funcionamento do fígado, vesícula biliar e intestinos. Actua como hemostática, diurética e depurativa, razão pela qual é utilizada no tratamento da artrite, gota, furunculose, úlceras, sarampo, hemorróidas, asma, diarreias, coqueluche, no retardamento da hipertrofia da próstata, etc..
Externamente utiliza-se nos casos de quedas de cabelo e caspas.”
O que aí fica parece um exagero; no entanto, mais se poderia acrescentar, mas certamente será suficiente para ir fazendo surgir algumas fortes interrogações.
u. E citemos ainda dois escritores que se terão situado na área da urtiga:
«Segundo as próprias palavras do poeta escocês Thomas Campbell - que viveu nos fins do século XVIII, princípios do XIX: "na Escócia, comi urtigas, dormi em lençóis de urtigas, e jantei sobre uma toalha de urtigas.
Quando ainda é nova e tenra, a urtiga é um legume excelente... e lembro-me que a minha mãe dizia que, na sua opinião, os fatos de urtiga eram bastante mais resistentes do que os de linho". »
«Também o escritor dinamarquês Christian Andersen, que viveu no século XIX, refere no seu conto "A princesa e os sete cisnes" que são feitos de urtiga os mantos que a princesa tece para libertar os irmãos do feitiço da madrasta.»
Nos nossos dias, o Município de Fornos de Algodres e a Confraria da Urtiga organizam o Fim-de-Semana da Urtiga, estando previstas inúmeras iniciativas (exposições, oficinas, espectáculos, workshops, refeições temáticas, “Jornadas de Etnobotânica”, …); iniciativas que procuram valorizar um dos produtos naturais que, embora simples e por vezes menosprezado pelas pessoas, pode ter grande importância na gastronomia regional: a urtiga.
Uma das ementas especiais constava de Sopa de Urtiga
Mistura Regional c/ Arroz de Feijão c/ Urtiga
Arroz Doce de Urtiga.
Por fim, parece-me que é «caso para repensar as verdadeiras intenções de quem nos manda “ir às urtigas”».
Manuel