Em entrevista ao Expresso, o actor Miguel Guilherme fala da «inversão total» operada na sua perspectiva face a Deus e ao religioso e do «processo longo» que o levou a querer receber o sacramento da Confirmação o ano passado.
«Entretanto, a vida ainda lhe reservava surpresas. E, numa fase particularmente difícil, com mais de 40 anos, Miguel dá por si a rezar. Pensou que era normal. Uma atitude de desespero.
Mas depois pôs-se a pensar. “Será que é só isto? O facto de pensar levou-me a questionar essa racionalidade e a perguntar-me o que seria a fé. Descobri que pode ser muita coisa e que as pessoas chegam a esse caminho de maneiras muito diferentes. Eu ainda não cheguei lá, mas há qualquer coisa que me levou a acreditar, com grandes momentos de dúvida todos os dias, claro. Houve uma altura em que pensava que era ridículo imaginar que o Homem e o Universo foram criados por um deus. Hoje em dia acho que é ridículo pensar o contrário. Foi uma inversão total. Depois houve uma espécie de rebeldia relativamente à maneira como a sociedade está virada para o consumo, os novos deuses. Estes caminhos são sempre tortuosos e alegres ao mesmo tempo. Foi um processo longo. Quando falei um bocadinho mais certo, falei com dois padres jesuítas, fiz um retiro de silêncio de quatro dias e acabei por fazer o crisma no ano passado.”
Não se considera transformado. Nem sequer mais feliz. Prefere dizer que se acha mais “corajoso em relação às coisas”. Diz-se “menos obcecado, menos egoísta” e mais consciente da noção do outro.
“A noção do outro encontra-se sobretudo na noção de Deus, sem a procura de Deus não acredito que se consiga olhar plenamente para os outros. Mas a minha vida é normal. Eu sou católico, mas não sou estúpido. E não abdico nunca do meu sentido crítico e de justiça.”»
Já em Agosto do ano passado, em conversa com o jornal i, Miguel Guilherme dizia achar que era daqueles que não nasceram com fé: «Há pessoas mais criadas para a fé do que outras. Para mim é uma luta. Mas essa luta agrada-me, porque a integro no resto da minha vida».
Até se assumir católico, percorreu um itinerário «progressivo»: «Foi um caminho muito longo, porque sempre fui educado e me auto-eduquei no sentido oposto. Tive de fazer uma volta de 180 graus naquilo que pensava e isso não se faz de um dia para o outro. Tive de encontrar, através da razão, um processo que me levasse a um lado mais espiritual».
In Expresso (Actual), 10.4.2010; i, 13.8.2009
Transcrito de snpc