MOEDAS DE PRATA
Georgino Rocha
Trinta são as moedas de prata que os chefes e os anciãos oferecem a Judas para entrar no processo urdido para eliminar fisicamente Jesus de Nazaré. A oferta é aceite e, de agora em diante, Judas Iscariotes funciona como um infiltrado discreto, mas eficaz. Rapidamente é localizado o sítio onde Jesus se refugia com os seus amigos mais próximos e onde a guarda do templo o prende para o levar à presença de Anás. Outros passos são dados, outras deslealdades são praticadas, outras acusações falsas são apresentadas. “É mais conveniente que morra um homem pela nação do que pereça todo o povo” – sentencia Caifás na fase mais crítica da decisão.
Trinta moedas de prata era o preço de um escravo. Este preço mostra o valor atribuído a Jesus e o apreço pelo gesto de Judas que tanto facilitava o triunfo dos adversários. O êxito do suborno fragiliza a resistência do grupo que acompanha Jesus e se dispersa. E fica a ser um símbolo de tantas outras situações que a história regista.
O recurso a benesses dadas a pessoas que interferem em operações deste tipo está na ordem do dia: Corrupção, eliminação física de inimigos, tráfico de influências, empresas-fantasma, roubos disfarçados de desvios, falcatruas, subornos, dilação no andamento de processos de justiça, deslocação de serviços administrativos, e um longo etc. A ponta do iceberg aparece, de vez em quando, nos meios de comunicação.
E a lista dos inocentes vitimados é incontável. Sirva de ilustração os aforradores e investidores caídos na burla inqualificável provocada pela engenharia assombrosa de Madoff, felizmente a contas com a justiça americana. Ou então a desfaçatez de muitos responsáveis políticos que se preocupam mais em restabelecer o sistema económico e financeiro do que em verificar as condições de vida de milhões de enganados e roubados. Ou ainda a desproporção do crescimento dos muito ricos e a multidão daqueles que são cada vez mais pobres. A situação em Portugal é eloquente e, potencialmente, explosiva.
As moedas de prata são preço de sangue. E, segundo os chefes do Templo e os anciãos, apenas servem para comprar um cemitério a fim de sepultar os estrangeiros. O que era “Campo do Oleiro”, transforma-se em “Campo de Sangue”. O que era memória de trabalhadores dignos e honestos, é agora recordação amarga de tantas vítimas foragidas que nem direito têm a um espaço respeitado para os seus restos mortais.
A actualidade desta ocorrência é facilmente verificável: migrantes a quem é negada a documentação legal, desempregados de longa duração, trabalhadores em situação precária, crianças “descartadas” e desaparecidas, toxicodependentes menosprezados e muitos outros.
Em todos estes rostos humanos se reflecte a face do Inocente condenado. Jesus de Nazaré põe a claro onde está a razão da verdade que credencia a nossa comum dignidade. A mentira e a fraude não compensam. O sangue das vítimas clama por justiça. O tempo da martírio da cruz – que é de morte horrível - cede o lugar à aurora da ressurreição na manhã de Páscoa.
As trinta moedas de prata – memória das vítimas e acusação perene dos vendilhões –constituem para sempre a referência à paixão de Jesus de Nazaré e ao seu projecto de sociedade nova.