Religião e saúde
Por Anselmo Borges
Kant alinhou as tarefas fundamentais da Filosofia: "O que posso saber?", "O que devo fazer?", "O que é que me é permitido esperar?" No fundo, elas reduzem-se a uma quarta pergunta, para a qual remetem: "O que é o Homem?"
Segundo Kant, precisamente à terceira pergunta responde a religião, o que significa que, para ele, o que a determina é a esperança de salvação, felicidade, consolação, sentido último. Deus "deve" moralmente existir - é um postulado da razão prática -, para que se dê a harmonia entre o dever cumprido e a felicidade.
Claro que é sempre possível perguntar se realmente a religião consola e como. Para viver a religião verdadeira, é preciso estar disposto a sacrificar-se pela dignidade, pela justiça, pela verdade: pense-se, por exemplo, na cruz de Cristo. E está sempre presente a ameaça de projecção e ilusão, como denunciaram os "mestres da suspeita". De qualquer forma, não há dúvida de que a religião tem a ver com felicidade e sentido último.
Há hoje inclusivamente estudos que mostram uma relação globalmente positiva entre a religião e a saúde - note-se que, significativamente, o étimo latino de saúde e salvação é o mesmo: salus, salutis, em conexão com saudar e saudade: salutem dare. Ao contrário de R. Dawkins, que supõe que é largamente aceite pela comunidade científica que a religião prejudica os indivíduos, reduzindo o seu potencial de saúde e sobrevivência, Mario Beauregard, investigador de neurociências na Universidade de Montréal, escreve que se acumulam provas consideráveis que mostram que as experiências religiosas, espirituais e/ou místicas "estão associadas a melhor saúde física e mental".
No quadro da "medicina psicossomática", é sabido hoje, por exemplo, que o stress ou a solidão podem contribuir para aumentar a tensão arterial. Foi assim que se começou a estudar também a fisiologia da meditação para compreender a influência do espírito sobre o corpo. Na sua obra The Spiritual Brain, Beauregard cita 158 estudos médicos sobre o efeito da religião na saúde, concluindo que 77% fazem menção de um efeito clínico positivo. Um estudo mostrou que os "adultos mais idosos que participam em actividades religiosas pessoais antes do aparecimento dos primeiros sinais de handicap nas actividades do quotidiano têm mais esperança de vida do que os que o não fazem".
Há também dados que mostram o desejo dos doentes de que os médicos conheçam as suas crenças religiosas e que as tenham em conta. Falar sobre o assunto pode aumentar a compreensão médico-doente. Por outro lado, uma sondagem junto de 1100 médicos americanos mostrou que 55% estavam de acordo com a afirmação: "As minhas crenças religiosas influenciam a minha prática da medicina."
No seu novo livro, How God Changes your Brain (Como muda Deus o teu cérebro), o neurologista Andrew Newberg mostra, através da ressonância magnética nuclear funcional, que a medi- tação e a oração intensas alteram a massa cinzenta, reforçando as zonas que concentram a mente e alimentam a compaixão; também acalmam o medo e a ira. "A religião e a ciência são as duas forças mais poderosas em toda a história humana. São as duas coisas que nos ajudam a organizar e a entender o nosso mundo. Porque não procurar uni-las?"
Note-se, porém, que os efeitos não são sempre positivos. É fundamental a imagem que se tem da entidade superior, benevolente ou malévola. Beauregard refere um estudo que mostra que os idosos e doentes corriam maior risco de morrer, se tivessem "uma relação conflituosa com as suas crenças religiosas".
Por outro lado, os ateus dirão que precisamente a imagiologia cerebral das pessoas mergulhadas na oração é a prova de que a fé é uma ilusão, pois apenas mostra o que se passa no cérebro. Responde Newberg: "Pode ser que seja só o cérebro a fazê-lo, mas também poderia ser o cérebro recebendo o fenómeno espiritual", acrescentando: "Eu não digo que a religião seja má ou não real. O que digo é que as pessoas são religiosas e procuramos saber como isso as afecta."
In DN