Irei escrever nas próximas semanas sobre estes sonhos, que não são apenas meus, mas de muitos que, como eu, viveram, já em plena luta pela vida, o Vaticano II e o 25 de Abril, e nunca deixaram de lutar para que a esperança gere vida, embora muitas vezes impacientes com demoras inesperadas, mas não vencidos por estas.
Lê-se na Bíblia que “é preciso suportar as demoras de Deus”. Ao lê-lo só se pode ficar sereno quando se percebe e se aceita que as demoras de Deus são as nossas, e que estas traduzem os limites humanos normais, mas, também, a inércia de quem não se dispõe a entrar no ritmo necessário, para que haja conversão de atitudes e métodos de acção, e a vida e muitas coisas que dela fazem parte, mudem para melhor.
As dificuldades, quando confrontadas com sonhos legítimos, ou levam à revolta, ou à resignação, ou são apelo veemente a novas formas de luta criativa e persistente.
Quem viveu antes do Concilio Vaticano II a vislumbrar tempos novos que se adivinhavam para a Igreja, ou viveu nas décadas anteriores à revolução de Abril, incomodado com situações lesivas da liberdade pessoal e do direito a sonhar alto num país com muitos adiamentos, entende perfeitamente como é importante sonhar para viver.
O poeta diz que “o sonho comanda a vida”. E o povo replica que “sonhar é fácil”. Seja como for, também eu, como tantos outros, sonhei e continuo a sonhar acordado. Só este sonho é capaz de ter influência na vida concreta, seja na da Igreja, seja na da sociedade.
As instituições fundamentais, civis ou religiosas, não são estáticas e as pessoas, relacionadas com elas, não podem ser simples espectadores ou turistas que chegam e partem.
O gosto de viver está unido à capacidade de sonhar e à decisão de lutar. Sonhar e lutar por causas nobres e pela solução de problemas urgentes, que estão impedindo que a vida circule ao ritmo do tempo que muda.
Há na vida amores que nunca se eclipsam. São os que justificam as opções fundamentais, as qualificam, e justificam todos os esforços, a ponto de a pessoa não se furtar a nada para as concretizar.
O tempo, a idade, as dificuldades sentidas, nada é determinante, quando se está já determinado por um ideal e um sonho que justifica a vida com tudo o que ela comporta e exige.
Luther King, um cristão convicto, que uma bala malévola matou aos 39 anos, continua vivo no sonho e pelo sonho que deu vida à sua vida.