Rolas....?
Por Maria Donzília Almeida
O dia rompera cinzento, numa militância do Inverno que já começa a dar os seus frutos. Nas pessoas, um tédio mal disfarçado, escondido atrás de roupagens escuras e guarda-chuvas sempre à mão. Os animais também procuram o seu refúgio e lá vão hibernando nas suas tocas ou nas “residências” de Inverno. Alguns, bafejados pela sorte, usufruem deste privilégio! Todos vão vivendo, adaptando-se como podem às condições climatéricas e esperando que o almejado sol se apresse no seu regresso.
Foi numa destas manhãs chuvosas, que a aula começou, com aquele bando de passarinhos a debicar o alimento que a teacher lhes dava.
A iguaria deste dia era um treino das matérias aprendidas até aqui, já que a realização de um teste próximo, assim o pedia.
Foi-lhes fornecido o material, foram dadas as indicações de como haviam de proceder.....e os trabalhos prosseguiam sem qualquer percalço. Até se espantava a teacher, com o silêncio que se ouvia, nos primeiros dois terços da aula. Percorria as coxias da sala, acorrendo aos múltiplos pedidos de ajuda que alguns alunos iam fazendo.
Uma nova estratégia fora implementada! Não para abater o inimigo, como nas liças militares, que aqui, não os há, mas tão só para derrubar as barreiras, os ruídos da aprendizagem. Guarda-a ciosamente para si, não vá alguém adulterá-la, ou quiçá usurpá-la, antes de lhe registar a patente!
Na sua deambulação pela sala, começou a ter a vaga impressão de um sussurro que parecia provir lá do fundo. À medida que o tempo passava mais se agudizava essa percepção que se assemelhava ao arrulhar das rolas. Aguçou o ouvido, todos os sentidos aí colaboraram e o som da onomatopeia kukrrruuu repetia-se, difuso mas audível.
Num golpe de vista certeiro, interceptou o “músico amador” e inquiriu sobre as razões daquele show de improviso.
Ou seria a música de fundo com que ele estaria a criar o ambiente de trabalho, propício e motivador da aprendizagem? - A C...., o R....e o J..... ainda queriam que eu fizesse mais alto! Foi a resposta obtida, num recanto, isolado do grupo. O nome bíblico do aluno, por certo constitui atenuante à sua transgressão, pois a teacher, lá no íntimo, sorria com benevolência.
Na verdade, foi já constatado, inúmeras vezes, que as aulas de 90 minutos são contraproducentes. O ser humano tem uma capacidade limitada de atenção, a partir da qual se dispersa e o pensamento voa como um Pégaso à solta. Nas crianças, ainda é muito mais notória essa distracção e na sua condição pueril, não conseguem ficar inactivos.
Mesmo que se diversifiquem as actividades, como a pedagogia preconiza, ainda assim é um sacrifício pesadíssimo para esta faixa etária permanecer atenta por um período de hora e meia.
A forma de descomprimir, de aliviar o stress da aprendizagem, nestas cabecitas é a irreverência estudantil. Quando se manifesta dentro de determinados limites, em determinados contextos, é tolerada com bonomia e considerada uma das mais velhas formas de expressão académica.
Quando estas crianças crescerem e tiverem descendentes, já têm histórias para os entreter aos serões, à lareira.
07.03.10