E Deus? Todos temos de mudar, para que não haja mais "Haitis assolados nem Palestinas massacradas nem Auschwitz nem Hiroshimas", e o Deus de Jesus deve ser "o grande acicate de justiça e solidariedade para todos os que se chamam cristãos".
Mas a pergunta atravessa a história do pensamento, e é particularmente dramática para quem acredita no Deus pessoal e criador, omnipotente e infinitamente bom. Deus quis evitar o mal, mas não pôde: então, não é omnipotente. Pôde, mas não quis: então, não é bom. Pôde e quis: então, donde vem o mal?
Aqui, também é necessário perguntar: donde vem o bem? De qualquer modo, as tentativas de resposta sucederam-se. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino argumentaram que o mal não existe em si mesmo, pois é só uma privação no bem. Ou então que Deus não quer o mal, apenas o permite como provação e castigo. Pergunta-se: e as crianças inocentes? É por causa do sofrimento das crianças que Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov, faz Ivan dizer que entrega o "bilhete de entrada" no mundo. Em A Peste, de A. Camus, o Dr. Rieux diz ao padre que, diante da criança que morre, não pode aceitar Deus.
À famosa Teodiceia (justificação de Deus), de Leibniz, onde se defende que este é o melhor dos mundos possíveis, Voltaire contrapôs ironicamente o seu Cândido e o "Poema sobre o desastre de Lisboa", por causa do terramoto. A. Schopenhauer escreverá que este é o pior dos mundos possíveis.
Hegel dialectizou o sofrimento em Deus: a negatividade é um momento da história de Deus. Um pouco na esteira hegeliana, alguns teólogos falaram de um "Deus sofredor" e, face ao horror do Holocausto, o filósofo judeu Hans Jonas defendeu a impotência de Deus: em Auschwitz, Deus calou-se, "não porque não quis, mas porque não pôde". Pergunta-se: é claro que o poder e a bondade de Deus não podem ser concebidos ao modo humano, mas que ajuda traz um Deus impotente? Deus solidariza-se com o ser humano na cruz de Cristo.
O teólogo A. Torres Queiruga pergunta se não é contraditório pretender pensar um mundo finito sem mal. Face ao mal, que atinge crentes e não crentes, todos têm de viver e justificar a sua fé. E Hans Küng, que reconhece que o mal parece ser "a rocha do ateísmo", pergunta, com razão, na sua última obra Was ich glaube (A minha fé): "O ateísmo explica melhor o mundo" do que a fé em Deus? "No sofrimento inocente, incompreensível, sem sentido, a descrença pode consolar? Como se a razão descrente não encontrasse também neste sofrimento o seu limite! Não, o antiteólogo não está aqui de modo nenhum melhor do que o teólogo."