de Fernando Martins
Editado por Fernando Martins | Quinta-feira, 14 Maio , 2009, 12:32


A Igreja, o Papa e alguns bispos vêem-se, com crescente frequência, na praça pública, em virtude do que dizem e até do que não dizem. Tanto a palavra como o silêncio são ocasião de apreciação e de julgamento público, de acolhimento e de rejeição.
Agora, foi-se mais longe. Na Bélgica e na Espanha, países de tradição cristã, mas de há muito sob a influência de um laicismo mortífero e arrasador, que não se priva de nada para destruir tudo e todos quantos, no mundo de hoje, falam de Deus ou apelam aos valores transcendentes da vida, foram os parlamentos, nacional e regional, que decidiram, por votação de maioria, fazer com que o Papa se retractasse e pedisse perdão ao mundo pelas intervenções dissonantes, de ordem ética e moral. Nada menos.
A opinião pública é progressivamente manipuladora. As pessoas ouvem e repetem sem reflectir. Minimizam-se ou desconhecem-se as razões contrárias, mesmo se expressas por gente não afecta à Igreja, mas aberta ao bom senso e a exigências éticas normais.
Neste contexto, a Igreja e os seus mais responsáveis são ditos a expressão pública do que é ser reaccionário e o obstáculo maior a que o mundo vá para a frente…
Esta rejeição do cristianismo, e do que ele significa e ensina, não é novidade. Não acabará, e o clima social actual até a fará aumentar. Não se muda por via de decretos, cruzadas ou influências. Faz parte da mensagem cristã ser sinal de contradição, num mundo em que a verdade e os valores morais essenciais não favorecem os seus objectivos. Aumentam os intolerantes que exigem respeito, mas não sabem respeitar.
A Igreja, servidores e comunidades, não pode alhear-se a esta realidade e terá de aprender a confrontar-se com as críticas e a saber discernir o seu significado e o apelo que comportam à sua purificação e acção, bem como à sua linguagem habitual. Para o crente não há muros a separar praticantes e não praticantes, amigos e inimigos. Há gente que Deus ama e quer salvar, fazendo da sua Igreja, tal como ela se entende a si própria, mediadora deste projecto. Em tudo, por isso mesmo, ela deve acolher e discernir os “sinais dos tempos”, que são o novo modo de Deus se revelar. Deve acordar e advertir, no complexo mundo actual, onde é enviada em missão, que é este o seu mundo, e não aquele já passado, que parece ainda encher cabeças paradas e corações nostálgicos.
A história da Igreja, vivida, por séculos, em países e continentes, está repleta de acções permanentes e sérias, ao serviço das pessoas e da sociedade. Chamada a agir num mundo dominado por uma nova cultura, pelo diálogo necessário com uma sociedade marcada por vazio e ansiedades, a Igreja depara com sérias dificuldades, na sua comunicação e acção. Porém, não pode regredir em relação ao caminho traçado pelas suas raízes evangélicas, retomado, com nova sensibilidade e vigor, pelo Concílio Vaticano II. A exigência de caminhos novos num mundo plural, levam-na a assumir, sempre mais, a sua identidade de Povo de Deus, peregrino na sociedade e na história. Um Povo humilde de servidores, com todos os seus membros a gozar da mesma dignidade e a realizar uma missão comum: Um Povo que tem de mostrar vontade e coragem para não se identificar, nem aparecer como uma sociedade à maneira humana, desligando-se, por isso, de atitudes e roupagens históricas, que nunca foram fundamentais à sua vida e acção, e que constituem, hoje, um peso que prejudica e dificulta a sua imagem e missão. Caminho novo é desejar que o magistério do Papa, sem que perca a dimensão pessoal própria, se torne mais colegial; é contar, em questões importantes e decisivas para a missão, com os bispos, com o saber e experiência de quem conhece e sente os desafios que tocam a vida dos que lhes foram confiados; é dar mais valor às Conferências Episcopais de cada país, estruturas necessárias, mas pouco aproveitadas; é tentar que os seus servidores a tempo inteiro, clérigos e consagrados, se assumam como dom de Deus à Igreja e à sociedade, centrando a sua vida e acção no essencial, e investindo os seus talentos, pessoais e comunitários, na causa permanente da evangelização, e no que esta exige, em testemunho de vida, marcado pela unidade, comunhão e coerência; é dar aos leigos, que vivem a sua fé no meio das contradições e da dureza da vida, mais formação adequada, mais tempo para os escutar, mais respeito pelas suas opiniões, intervenções e autonomia no que lhes é próprio; é escutar os jovens, penetrar no seu coração, perscrutar-lhes os sonhos, adivinhar-lhes os seus desejos e projectos… Então, o rosto e a linguagem da Igreja irá mudando e o mundo que é chamada a amar começará a entendê-la e apreciá-la.
A renovação ou vem de dentro ou nunca se dará. É preciso que quem se sente Igreja o entenda e o assuma. Não há outro caminho.

António Marcelino
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